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Manifestação une categorias por mais educação

Ação chamou atenção de quem passou pelo calçadão de Araranguá e agradou aos organizadores do ato

Araranguá

Aline Bauer

“Educação não é mercadoria”. Esta é uma das muitas frases e palavras de ordem gritadas pelos manifestantes do ato da manhã desta quarta-feira, 15, contra o corte de 30% de verbas para as Universidades Federais. O manifesto ocorreu em Araranguá pela manhã, mas acabou espalhando-se para Sombrio, na parte da tarde.

Segundo um dos organizadores, Bernardo Walnott Borges, professor da área de exatas na Universidade Federal de Santa Catarina e diretor Sindicato dos Professores das Universidades Federais de Santa Catarina, a Apufsc, a estimativa é que quase 400 pessoas tenham participado do ato, durante a caminhada ou na concentração. Ele classificou a ação como um sucesso. “Por parte dos docentes, acho que o movimento foi um sucesso, tivemos uma grande participação. Dos mais de 80 docentes, vi entre 35 e 40 na mobilização. E sobre os alunos, foi melhor ainda, acho que nunca tivemos tamanho volume, falando dos estudantes da Ufsc. Mostramos para a sociedade araranguaense quantas pessoas serão atingidas por essa política de desvalorização da universidade pública. O objetivo foi alcançado”, declara. Houve ainda, em conjunto com a manifestação, um trabalho de panfletagem produzido pela Apufsc, focando em combater fake news propagadas sobre as entidades de ensino superior.

O professor comenta também sobre a atmosfera sentida entre alunos e professores, que se engajaram em unidade para montar uma mobilização que chamasse atenção para seu objetivo em comum. “As universidades passaram por uma época de grandes investimentos em anos anteriores, e por isso, houve uma despolitização de docentes e estudantes. Fiquei admirado que, com este cenário, o clima era de união, conjunto, aproximação com outras categorias da educação e cooperação. Todos entenderam que todos serão atingidos”, celebra.

A questão das universidades foi apenas uma das muitas pautas levantadas durante a mobilização. Reforma da previdência, valorização da categoria dos professores e mais atenção pública à educação foram comentados e, segundo Bernardo, toda discussão é bem vinda e enriquece o debate das classes. “Entre os alunos, ainda falta certa maturação com esses temas, que são mais claros entre os docentes. Nós acolhemos a todas as pautas, temos clareza sobre a relação de pautas que poderiam parecer desconectadas, e também os temas levantados por outras categorias. O movimento hoje é amplo, pela educação como um todo”, acrescenta.

A polêmica parece estar só começando, e por isso, Bernardo e seus companheiros de passeata defendem que é preciso manter o debate aceso. Dessa forma, é certo que novos atos aconteçam para chamar a população a entender a importância de suas reivindicações. “Éramos, digamos, amadores no sentido de preparar essas mobilizações, mas já estamos preparados para eventos futuros. Agora, vemos a necessidade de uma atividade mais a longo prazo e constante, para mostrar à sociedade a importância da universidade”, conclui.

Em Sombrio, a manifestação contou com apresentações, passeata e exibição da bandeira do Brasil.

Entendendo o corte

O governo federal declarou nos primeiros dias de maio que 30% do orçamento das universidades e institutos federais será contingenciado a partir do segundo semestre de 2019. Os recursos são de verbas discricionárias, ou seja, para pagamento de serviços como contas de água e luz.

Para compreender o impacto da ação, é preciso compreender que é realizado um planejamento orçamentário anual, e todos os recursos são divididos de acordo com o setor da educação para onde devem ir. Há verba exclusiva para pagamentos obrigatórios, como folha de pagamento (que não será afetada pelo corte), verba para construções de novos campus (que já foi bastante reduzida no decorrer dos anos), e verba de custeio, que é utilizada para pagamento de serviços terceirizados, como vigilância, limpeza, restaurante universitário e outros. É neste recurso que o corte deve acontecer. A soma do valor contingenciado em todas as universidades do país chega a R$ 1,7 bilhão.

O Ministério da Educação alega que o corte será feito porque a arrecadação de impostos está sendo mais baixa que o esperado, e não haverá receita para bancar os gastos previstos. Se a situação financeira melhorar, o bloqueio pode ser revertido.

O lamento das instituições

O clima é de apreensão nos corredores das instituições federais de ensino superior com campus em Araranguá. “No momento em que ocorre um corte desses, a gente não tem como manter os contratos com terceirizados e credores da universidade. E ainda atinge permanência de bolsas de estudos”, reclama o diretor do campus da UFSC Araranguá, Eugênio Simão.

Segundo ele, hoje as universidades federais têm dois terços de seus alunos com renda média de um salário mínimo e meio, ou seja, não conseguem arcar com um curso em uma universidade particular. “Tem ainda a questão de manutenção, a permanência. Quer dizer, a universidade é gratuita, mas tem bolsa de extensão, estágio, iniciação científica, tudo para fazê-lo continuar estudando e sair da linha da pobreza. Esse corte de custeio afeta diretamente este pessoal”, argumenta.

Ele afirma que, se o contingenciamento permanecer, as operações da UFSC só se manterão com qualidade até julho. “Além disso, não dá para ir. Já houve cortes anteriores, mas nunca em um ponto tão vital. Por isso, as pessoas estão incomodadas”, declara.

Ainda de acordo com o diretor, a primeira atitude pós-anúncio foi a convocação de uma reunião, feita pelo reitor com o Conselho Universitário, e ali as finanças da universidade foram expostas.

O mesmo sentimento de preocupação ocupou o campus do IFSC de Araranguá. Segundo a coordenadora do polo, Mirtes Lia, a rotina deve se manter enquanto for possível, mas o tempo de calmaria tem data para acabar. “Trabalhamos com o padrão e rotina normais com os quais sempre trabalhamos. Nossa preocupação é daqui em diante. Temos um planejamento anual e quando chegar setembro, começaremos a ter problemas”, revela.

Ela ainda conta sobre o sentimento de alunos e professores da entidade após entender a gravidade da mudança. “Atuamos em uma constante para fortalecer a instituição e valorizar a educação, e nos deparamos com um bloqueio desses. É preocupante. Temos apoio dos alunos, que espalharam cartazes pela universidade, lideranças estudantis, grêmio, todos muito preocupados”, acrescenta.

A instituição pretende fazer uma prestação de contas para a comunidade, tentando mostrar à população quais e como são gastos os valores destinados ao instituto. “O nosso dinheiro, do contribuinte, da comunidade, público, não é mal gasto aqui. É destinado à qualificação do aluno, para os laboratórios, trabalhos da instituição, para a qualidade do espaço educacional. Esse é o nosso gasto e o resto é devolvido”, explica a gestora.

Segundo dados da Sinopse Estatística da Educação Superior 2017, feita pelo Inep, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 402 alunos estão matriculados em instituições federais em Santa Catarina.

Fonte: Jornal Enfoque Popular