Quem viveu os anos 90 com certeza lembra daquela musiquinha grudenta: “Ligadona em você…”. Era o jingle das Lojas Arapuã, que grudava na cabeça. Pois é, em 1994 eu tava lá, de crachá no peito e sapato apertado, vendendo de tudo: rádios, televisores, videocassetes e a sensação do momento — os tais CD players.
Sempre fui de conversar bastante, então minhas vendas iam embaladas num bom papo. E, pra não passar vergonha, eu lia os manuais de instrução como se fossem best-sellers. Sabia responder sobre consumo de energia, instalação, até quantos botões dava pra apertar sem travar o aparelho. Resultado? O cliente perguntava e eu já tinha a resposta na ponta da língua.
Mas vender nos anos 90 não era só glamour, não. Existiam marcas que davam medo até na sombra. Uma delas era a famosa CCE. Ou melhor: “Comecei Comprando Errado”, “Conserta, Conserta e Estraga”… as piadinhas eram tantas que dava pra fazer um stand-up só com isso. E não era à toa: os televisores dessa marca viviam dando problema no tubo de imagem, principalmente na tal cor verde, que parecia ter vida própria.
Um belo dia, entra na loja um sujeito. Cara fechada, parecia que tinha brigado com o mundo. Fui receber o homem na porta, todo educado, e ele já chegou atirando:
— Minha TV estragou. Imundícia de CCE! Não quero nem ver essa marca. Quero um televisor novo, grande e de outra marca.
Respirei fundo, botei o sorriso de vendedor no rosto e comecei a mostrar outras opções. O cara foi gostando, foi escolhendo, até que se encantou por uma TV enorme. Só tinha um detalhe: quando chequei a documentação, contra-cheque e tudo mais, a realidade era dura. A única televisão que cabia no bolso dele era… adivinha? Isso mesmo: uma CCE, e menorzinha ainda.
E agora? Perder a venda? Entregar os pontos? Capaz! Vendedor que se preze não recua fácil.
Foi então que puxei da cartola a famosa empatia. Mas não aquela empatia, toda sorridente e falsa. Não. A real. Me coloquei no lugar dele. Olhei bem nos olhos do sujeito e mandei:
— Me diz uma coisa, se o senhor tivesse uma empresa e os clientes começassem a reclamar dos seus produtos, o que faria?
Ele, sem pestanejar:
— Ué, eu ia consertar o erro pra dar qualidade.
— Exatamente! — respondi firme, aproveitando a brecha. — O senhor tem essa TV a bastante tempo, certo?
Ele fez uma cara de quem desconfiava da jogada, mas confirmou:
— Certo.
— Pois então. O senhor acha que uma empresa que vende pro Brasil inteiro, levando crítica atrás de crítica, não ia se mexer? Claro que sim! Eles perceberam a falha e mudaram a fabricação. Os tubos de imagem, que antes davam problema, agora são produzidos por outra marca muito mais confiável. Aliás… o defeito da sua antiga tv não foi a imagem que começou a ficar verde?
Os olhos dele brilharam como se tivesse ouvido revelação divina:
— Verdade! Foi isso mesmo!
Aí não teve mais volta. Continuei a conversa como quem entrega ouro em pó, e em poucos minutos o homem saiu da loja abraçado com uma bela TV CCE, mais faceiro que mosca em tampa de xarope.
Mas não foi só a televisão que ele levou. Saiu dali com algo que parecia perdido: a confiança. A confiança de que ainda valia a pena acreditar, de que nem sempre o erro do passado vai se repetir no futuro.
Essa história me fez pensar no que é, de fato, empatia. Muita gente acha que é só “entender o outro”. Mas não é só isso. Empatia é descer até onde a pessoa está, enxergar o mundo com os olhos dela e, de lá, oferecer um caminho. No meu caso, não bastava dizer “entendo sua raiva da CCE”. Eu precisei mostrar uma nova perspectiva pra que ele decidisse com confiança.
Na vida é igual. Quantas vezes a gente encontra alguém quebrado, frustrado, já sem fé em nada? Se você só concorda e dá tapinha nas costas, não adianta muito. Mas se desce, entende a dor e ainda ajuda a encontrar uma saída, aí sim você praticou a empatia de verdade.
Empatia não é só sobre ouvir. É sobre transformar. É sobre ajudar o outro a sair mais leve, mais satisfeito, até com um sorriso no rosto. Às vezes, a pessoa entra na tua “loja da vida” jurando que não quer nem ouvir falar de algo, e sai de lá com um “televisor novo” — seja confiança, esperança ou simplesmente um pouco de paz. Empatia não vende só televisão. Empatia vende confiança, reconstrói pontes e muda destinos.
Bem, depois desse dia aquele homem aprendeu que o significado real da sigla CCE era Comércio de Componentes Eletrônicos, enquanto eu criei um novo significado para a marca: Conquiste Com Empatia.
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