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“Isso a Globo não mostra”, é uma afirmação verdadeira?

Esse é um “chavão” que pegou nas redes sociais do Brasil. Basta para alguém ter uma notícia, ou um ponto de vista diferente sobre um determinado tema, ou mesmo que ela tenha uma informação que ainda não foi vista por ninguém – a chamada “exclusiva”, para que inicie sua fala com este bordão.

Falas como “isso a grande imprensa não irá te mostrar”, “não saiu em mídia nenhuma”, ou “você irá saber com exclusividade” é nada mais, nada menos, do que uma forma de autopromoção, chamar a atenção para si mesmo, ou para seu conteúdo. Às vezes nem tem qualquer relevância o teor, mas, este tipo de abordagem acaba segurando a “audiência”.

Vamos e viemos, num mundo globalizado como o nosso, com a velocidade que a informação ganhou com o advento da Internet e a propagação das redes sociais, fica impossível que qualquer veículo domine todas as pautas, fale de todos os assuntos. Simplesmente é impossível, mesmo para um grande grupo de comunicação que tem TVs, rádios, portais, podcasts ou impressos, ter todos os conteúdos.

Da mesma forma, é humanamente impossível para os usuários das mídias terem acesso a tudo. Muitas vezes, a fonte de informação é o recorte de trechos de um conteúdo, que passa a ser a notícia e a circular pelos grupos de Whatsapps, Telegram, e tantos outros. O mundo da informação não é um mundo de conteúdo único, mas um mundo de notícias fragmentadas.

Os grandes veículos pincelam uma parte dos acontecimentos, dentro de uma grade de programação que tem a limitação temporal – definição em reuniões de pauta julgam o que é mais relevante mostrar; a limitação espacial – porque não são onipresentes, não conseguem estar em 100% dos lugares ao mesmo tempo e, também, porque dividem suas programações com suas sucursais, filiais, repetidoras…; e ainda a limitação jurídica – porque precisam tomar todos os cuidados com que é publicado, diferente das redes sociais que atuam numa terra quase sem lei e sem regras bem definidas. E ai do veículo que erra ao divulgar uma informação!

Agora, para se dizer atualizado, sabido ou bem informado, basta trazer uma notícia começando a frase com “exclusivo” – quando deveria ser ‘no máximo’ em primeira mão, antes de os outros veículos tratarem do mesmo tema; ou então “isso você só vê aqui – como se o comunicador ou seu veículo fosse dono da notícia, e que, portanto, ninguém mais irá tratar do tema; ou mesmo o chavão “isso você não irá ver na grande imprensa, ou velha imprensa”, e, o já batido “isso a Globo não mostra” – bem diferente do passado quando era “deu na Globo, então é verdade”.

  

Em tempos de uma mídia militante

Antes de as redes sociais entrarem com força na vida das pessoas, antes dos palmtops, leptops, tabletes e celulares ultramodernos, não havia “canais de direita, de esquerda ou independentes (de centro)”. Havia a mídia em geral e seus próprios interesses e pautas, o que também era um perigo para a formação de um pensamento mais crítico sobre os fatos. As pessoas não buscavam tanto como agora estar informadas, saber o que acontece fora do ambiente da grande mídia.

O fato de um canal/veículo ser identificado com esquerda ou direita não é um problema. Se o veículo deixa claro que defende uma linha política, e, que, por esta razão, critica a outra, está dentro da normalidade.

Você não vai ver um veículo com viés de esquerda (Fórum, Brasil 247, ICL…) defendendo e nem achando virtudes na direita, nem um de direita (Revista Oeste, Gazeta do Povo, Jovem Pan…) defendendo a ações da esquerda. Antes, pelo contrário, a mesma notícia é enviesada para confirmar a tese que o canal/veículo defende. E está tudo certo, porque o público que escolhe se alimentar dentro da bolha da esquerda só aceita “as verdades deste espectro”. Da mesma forma, um veículo de direita irá falar para a sua bolha, que consome e só quer saber das “verdades de direita”.  

As narrativas começam a gerar problemas quando um veículo que se diz independente apresenta um nítido viés ideológico. Ele se traveste de imparcial quando é claramente parcial e tendencioso em favor de um espectro. Felizmente as pessoas estão conseguindo enxergar com mais clareza e fazer a análise do discurso para não cair nesta cilada.

 

Polarização invadiu a comunicação

Nada contra simpatizar com uma causa, mas o jornalismo profissional precisa abrir espaço para o amplo debate, para conhecer as vozes dos atores de ambos os lados, e, também os sem lado nenhum.

Num país polarizado como o Brasil de hoje em termos nacionais é possível dizer que, um contingente próximo a 30% defende a esquerda e outros 30% a direita e suas pautas. Resta assim um bolo de 40% mais suscetível a mudar de lado. Estes são de fato aqueles cidadãos que decidem as eleições. Para onde essa maioria descamba, por exemplo, é que se define o futuro político do país. Claro que esta máxima não vale como regra para o Sul do país, onde o espectro da direita é mais amplo, nem tampouco para o Nordeste, onde a esquerda tem sua maior força. Também não vale para os debates regionais e municipais, onde outros fatores importam.

 

Tribunais do cancelamento

Vivemos tempos estranhos onde as “patrulhas ideológicas” ou os “tribunais da Internet” não se cansam de julgar quem pensa diferente, quem não se enquadra na mesma maneira de ver o mundo. Ou seja, só são “válidos, corretos ou aceitáveis” os pensamentos, as posturas ou as informações que se encaixam no jeito que estes “patrulheiros” enxergam o mundo. Se aquilo que recebem, por vídeo, áudio ou de maneira escrita, não está de acordo com o que pensam, logo viram contestadores ou até perseguidores sociais – haters odiosos e odientos. Este “mal da Internet” não perdoa ninguém, sejam estes jornalistas, artistas, digital influencers, atletas, políticos ou qualquer um que não atenda sua perspectiva de mundo. Neste aspecto, vale notar, que ele (o juiz e Internet) não libera ou perdoa ninguém, o tiro pode vir de qualquer lado.

Nunca como antes na história do planeta mensagens contra ou a favor a algo tiveram tanto palco. Podem ser nazistas ou antinazistas, racistas ou antiracistas, religiosas ou contrareligiosas, antiarmas ou pró-armas, ou ainda de diversas matizes.

Não ter opinião parece algo inaceitável neste modelo de mundo – o virtual. Quem não tem opinião, quem não se posiciona, por medo do julgamento ou simplesmente porque não está afim, é chamado isentão, covarde ou uma série de adjetivos (ou impropérios). Ou seja, também são julgados.

Este povo cobra uma posição das pessoas, mas se estas se expressam, mas a posição vai contra o que pensa o inquisidor, ela já vira vítima do chamado CANCELAMENTO.

 

A era das fake news e da inteligência artificial

Muitos dos inquisidores das redes sociais sequer rosto tem. Se escondem atrás de perfis falsos – fakes para atacar as pessoas, sem dó, pudor ou escrúpulos.

Para piorar, além das já conhecidas fakes News que já percorrem as redes e grupos de Whatsapp com as famosas chamadas para “espalhar ou repassar sem dó” antes que alguém bloquei a tal mensagem, o esgoto da rede mundial de computadores há anos convive com as deep fakes. São criações, invenções, notícias falsas, sofismas (mentiras com cara de verdade) que inundam este ambiente caótico. Em dado momento ninguém mais sabe o que é fato ou fake. E esta deve ser de fato a intenção destes criadores de conteúdo.

A insegurança criada a partir do recebimento da avalanche de conteúdos faz com que as pessoas tenham alguns caminhos a seguir: ignorar, pesquisar e conferir a veracidade, tomar como verdade e passar sem pensar (porque agrada sua visão de mundo), negar e não repassar (porque é contrário ao que deseja receber). Ou seja, um caos informativo.

 

A pergunta que fica é “para onde irá tudo isto”?

Pode piorar bastante com o uso da inteligência artificial para fins escusos. Pessoas boas serão massacradas, reputações serão destruídas, vidas serão ceifadas (como da menina que era depressiva e não aguentou a pressão de uma fake evolvendo o comediante e youtuber Whindersson Nunes).

Só nós podemos pôr fim a isto, ser nossos próprios sensores, não criar conteúdos falsos, corrigir informações em caso de repasse de notícias equivocadas (nossas ou de outrem), não sair espalhando notícias falsas sem uma pesquisa mínima (sites de busca, livros, pessoas estudiosas, professores, historiadores…), nos perguntar se a notícia não é falsa apesar de agradar minha forma de ver o mundo. Seria um bom começo.

 

Papel do jornalismo profissional

Minha carreira na área de comunicação iniciou em 1992 quando entrei na Unisinos, e lá se vão quase 32 anos. Nós fomos treinados para buscar a informação, para mostrar os diversos ângulos das notícias, ouvir as diversas fontes, esmiuçar as matérias. Dar subsídios para o público receptor da notícia fazer seu próprio juízo.

Além de buscarmos a imparcialidade diante das pautas, temos o dever social do jornalismo, o papel de evitar o desequilíbrio da balança, numa sociedade que tem os ricos e os desprovidos de riquezas, os poderosos e os desprovidos de poder, os amigos do rei e os marginalizados pela lei. Em algum momento o jornalista pode atuar como “a voz dos que não tem voz”.

Inegável que a Internet e as redes sociais propiciaram a um grupo de pessoas que não tinham voz a possibilidade de falar, de opinar, de influenciar. No entanto, o processo trouxe junto um laboratório informações sem checagem, que viram verdade na Internet.  

Atuou como comentarista político há mais de 20 anos, desde 2003, e entendo que o direito de expressão tem que ser preservado, que o sigilo da fonte é uma premissa do trabalho do jornalista. O que não podemos é admitir que qualquer pessoa, com ou sem diploma, se valha do direito de se expressar para defender suas bandeiras, sua militância, para um lado ou para outro.

Nós jornalistas profissionais temos o dever de fazer nosso trabalho com excelência e ainda judar a combater quem faz da profissão um palco para prestar um desserviço ao segmento da comunicação.

 

*Jornalista Everaldo Silveira

Formado em Comunicação Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo/RS, fundador do Jornal Enfoque Popular e co-fundador da Post TV, em Araranguá/SC