Search

PGR pede suspensão dos concursos de praça e oficiais da Polícia Militar

Eram 15h28min desta sexta-feira (1/12) quando a Procuradora-Geral da República Elizeta Maria de Paiva Ramos digitalizou o documento com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade direcionado à ministra relatora do STF Carmem Lúcia.  Nele está o Parecer Ajconst/PGR Nº 1289157/202, que pede a suspensão dos concursos públicos para preenchimento de vagas nos cursos de formação de oficiais e de praças da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, respectivamente Editais nº 001/ CGCP/2023 e nº 002/CGCP/2023, ambos de 9.5.2023. A PGR pede que a ministra defira as medidas cautelares pleiteadas e, no mérito, aceite a procedência dos pedidos.

A ação foi ajuizada pela Procuradora-Geral da República em face de normas as quais estabelecem que pelo menos 10% das vagas previstas nos editais de concursos públicos para quadros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina sejam reservadas para mulheres, a saber, os arts. 5º e 6º da Lei Complementar 587/2013 do referido ente federativo.

A PGR defende que haja equidade, com 50% de vagas para cada sexo.

“Conclui-se, assim, que, por possibilitar que mulheres deixem de concorrer a até 90% das vagas disponíveis em concursos públicos para as carreiras da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina, a exegese ora questionada dos dispositivos sob invectiva acaba por instituir injustificado tratamento privilegiado a homens e, concomitantemente, prejuízo, preconceito e discriminação à população feminina, em contrariedade ao direito fundamental de acesso a cargos públicos, aos princípios da isonomia e da igualdade, ao direito à não discriminação e ao direito social à proteção do mercado de trabalho da mulher, estatuídos nos arts. 3º, IV, 5º, caput e I, 7º, XX e XXX, 37, I, e 39, § 3º, da Constituição Federal”, diz em parte da tese.

 

 

Segue a peça do pedido de liminar na íntegra:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.481/SC RELATORA: MINISTRA CÁRMEN LÚCIA

A Procuradora-Geral da República vem requerer o aditamento da petição inicial, a fim de que seja incluído no pedido cautelar formulado nesta ação direta o pleito de suspensão dos concursos públicos para preenchimento de vagas nos cursos de formação de oficiais e de praças da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, inaugurados, respectivamente, pelos Editais nº 001/ CGCP/2023 e nº 002/CGCP/2023, ambos de 9.5.2023; assim como manifestar-se pelo deferimento das medidas cautelares pleiteadas e, quanto ao mérito, pela procedência dos pedidos, reiterando a argumentação apresentada na exordial.

A ação foi ajuizada por esta Procuradora-Geral da República em face de normas as quais estabelecem que pelo menos 10% das vagas previstas nos editais de concursos públicos para quadros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina sejam reservadas para mulheres, a saber, os arts. 5º e 6º da Lei Complementar 587/2013 do referido ente federativo.

Apontou-se, na inicial, violação aos arts. 3º, IV (direito à não discriminação em razão de sexo), 5º, caput e I (princípios da isonomia e da igualdade entre homens e mulheres), 7º, XX (direito social à proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos) e 7º, XXX, 37, I, e 39, § 1º (direito de acesso a cargos públicos e proibição de discriminação em razão do sexo quando da respectiva admissão), todos da Constituição Federal.

Defendeu-se que as aludidas normas, a pretexto de supostamente favorecerem o ingresso de mulheres em cargos públicos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina, podem ser interpretadas de modo a respaldar que candidatas do sexo feminino sejam excluídas aprioristicamente da esmagadora maioria dos cargos ofertados, instituindo discriminação em razão do sexo incompatível com a Constituição Federal.

Acrescentou-se que, ao estabelecerem que um mínimo de 10% (dez por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para as referidas corporações serão reservadas para candidatas do sexo feminino, os dispositivos podem ser compreendidos como autorização legal para que a participação de mulheres nos mesmos certames seja restrita e limitada a um percentual fixado nos editais dos concursos, impedindo-se que a totalidade das vagas sejam acessíveis por candidatas do sexo feminino.

Foi defendido que, assim interpretadas, as normas dão respaldo para que, efetivamente, seja limitada e restringida a participação de mulheres a percentuais ínfimos do montante total dos cargos oferecidos nos certames, mediante a fixação, por exemplo, dos mesmos 10% nelas previstos para candidatas do sexo feminino, reservando-se, a contrario sensu, 90% das demais vagas exclusivamente para homens. Registre-se, na esteira desse entendimento, a existência de editais de concursos públicos para corporações militares que, com fundamento em normas de teor similar ao das oras questionadas, fixaram o percentual de 10% como quantitativo máximo de vagas a serem preenchidas por mulheres.

Conclui-se, assim, que, por possibilitar que mulheres deixem de concorrer a até 90% das vagas disponíveis em concursos públicos para as carreiras da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina, a exegese ora questionada dos dispositivos sob invectiva acaba por instituir injustificado tratamento privilegiado a homens e, concomitantemente, prejuízo, preconceito e discriminação à população feminina, em contrariedade ao direito fundamental de acesso a cargos públicos, aos princípios da isonomia e da igualdade, ao direito à não discriminação e ao direito social à proteção do mercado de trabalho da mulher, estatuídos nos arts. 3º, IV, 5º, caput e I, 7º, XX e XXX, 37, I, e 39, § 3º, da Constituição Federal.

Requereu-se que esta Corte Suprema conceda medida cautelar a fim de (i) dar interpretação conforme à Constituição Federal aos arts. 5º e 6º da Lei Complementar 587/2013, com redação dada pela Lei Complementar 704/2017, todas do Estado de Santa Catarina, a fim de fixar a compreensão de que a reserva de vagas neles previstas constitui política de ação afirmativa dirigida a garantir que um percentual mínimo de vagas ofertadas nos concursos públicos para a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do referido ente da Federação sejam reservadas exclusivamente para mulheres (pelo menos 10%), sem prejuízo de que candidatas do sexo feminino possam concorrer a 100% dos cargos ofertados nos respectivos certames; (ii) suspender os efeitos da interpretação dos arts. 5º e 6º da Lei Complementar 587/2013, com redação dada pela Lei Complementar 704/2017, todas do Estado de Santa Catarina, que possibilite a reserva de qualquer percentual de vagas para preenchimento exclusivo por candidatos do sexo masculino; e (iii) suspender os efeitos da interpretação dos arts. 5º e 6º da Lei Complementar 587/2013, com redação dada pela Lei Complementar 704/2017, todas do Estado de Santa Catarina, que admita a restrição, ainda que parcial, à participação de mulheres nos concursos públicos para as corporações militares, sendo-lhes assegurado o direito de concorrer à totalidade das vagas oferecidas nos certames, livremente e em igualdade de condições com candidatos homens.

Ao final, foi pleiteado o julgamento de procedência do pedido, para o Supremo Tribunal Federal (i) dar interpretação conforme à Constituição Federal aos arts. 5º e 6º da Lei Complementar 587/2013, com redação dada pela Lei Complementar 704/2017, todas do Estado de Santa Catarina, a fim de fixar a compreensão de que a reserva de vagas neles previstas constitui política de ação afirmativa dirigida a garantir que um percentual mínimo de vagas ofertadas nos concursos públicos para a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do referido ente da Federação sejam reservadas exclusivamente para mulheres (pelo menos  10%), sem prejuízo de que candidatas do sexo feminino possam concorrer a 100% dos cargos ofertados nos respectivos certames; (ii) declarar a inconstitucionalidade da interpretação dos arts. 5º e 6º da Lei Complementar 587/2013, com redação dada pela Lei Complementar 704/2017, todas do Estado de Santa Catarina, que possibilite a reserva de qualquer percentual de vagas para preenchimento exclusivo por candidatos do sexo masculino; e (iii) declarar a inconstitucionalidade da interpretação dos arts. 5º e 6º da Lei Complementar 587/2013, com redação dada pela Lei Complementar 704/2017, todas do Estado de Santa Catarina, que admita a restrição, ainda que parcial, à participação de mulheres nos concursos públicos para as corporações militares, sendo-lhes assegurado o direito de concorrer à totalidade das vagas oferecidas nos certames, livremente e em igualdade de condições com candidatos homens.

Protocolada a inicial em 11.10.2023, a ação foi distribuída à relatoria de Vossa Excelência, que adotou o rito do art. 10 da Lei 9.868/1999.

Após o Governador e o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina apresentarem informações nas quais defenderam o indeferimento das medidas cautelares pleiteadas e a constitucionalidade das normas questionadas, seguiu-se manifestação da Advocacia-Geral da União pela concessão dos pleitos cautelares.

Vieram os autos para parecer. Muito embora esta ação direta tenha sido proposta na data de 11.10.2023 tanto para suspender os efeitos quanto para invalidar interpretações das normas impugnadas que respaldam a criação de restrições ao ingresso de mulheres em quadros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina, esta Procuradoria-Geral da República observou, logo em seguida, que ainda se encontram em andamento concursos públicos para preenchimento de vagas nos cursos de formação de oficiais e de praças da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, os quais foram inaugurados, respectivamente, pelos Editais nº 001/CGCP/2023 e nº 002/CGCP/2023, todos de 9.5.2023.1

Nos aludidos certames, em que foram ofertadas 50 (cinquenta) vagas para oficiais e 500 (quinhentas) para soldados, a corporação militar destinou, com base nas normas impugnadas nesta ação direta, apenas 10 (dez) ocupações de oficiais para mulheres e 40 (quarenta) para homens, e 100 (cem) cargos de soldados para candidatas do sexo feminino e 400 (quatrocentas) para candidatos do sexo masculino, o que representa, em ambos os certames, a reserva de somente 20% das vagas para mulheres e de 80% para homens.

1 Editais em anexo a esta petição.

Importa acrescentar que os concursos atualmente estão em fase bastante avançada, próximos da divulgação do resultado final e da ulterior homologação,2 já tendo sido realizadas as provas objetivas e discursivas, a avaliação física, os exames de saúde e toxicológico, a investigação social e a avaliação psicológica. Os resultados finais dos exames de saúde e toxicológico e provisório da investigação social do concurso para oficiais deverão ser divulgado na data provável de 22.12.2023,3 e o resultado final da avaliação psicológica, em 6.12.2023.4 Já os resultados finais dos exames de saúde e toxicológico e provisório da investigação social do concurso para soldados deverão ser publicados na data provável de 3.1.2024,5 e o resultado provisório da avaliação psicológica, em 5.12.2023.6

2  Conforme consulta às páginas eletrônicas de acompanhamento dos concursos, em sítios eletrônicos da banca examinadora Cebraspe. Disponíveis em <https://www.cebraspe.org.br/concursos/PM_SC_23_OFICIAL) e  <https://www.cebraspe.org.br/concursos/PM_SC_23_SOLDADO>. Acesso em 29.11.2023.

3 Conforme noticiado pelo Edital nº 53/CCP/2023 – CFO, de 22.11.2023, em anexo a esta petição.

4 Conforme noticiado pelo Edital nº 49/CCP/2023 – CFO, de 13.11.2023, em anexo a esta petição.

5 Conforme noticiado pelo Edital nº 63/CCP/2023 – CFP, de 28.11.2023, em anexo a esta petição.

6 Conforme noticiado pelo Edital nº 49/CCP/2023 – CFP, de 10.11.2023, em anexo a esta petição.

Assim, ante a possibilidade de risco desmedido ao resultado útil do processo, uma vez que centenas, senão milhares, de candidatas do sexo feminino dos referidos certames continuarão a sofrer, inclusive em datas próximas, preconceito, discriminação e tratamento desigual em decorrência do que determinam as normas ora impugnadas, importa a essa Corte Suprema, acolhendo este pedido de aditamento à inicial, conceder medida cautelar para suspender os concursos públicos para preenchimento de vagas nos cursos de formação de oficiais e de praças da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, inaugurados, respectivamente, pelos Editais nº 001/CGCP/2023 e nº 002/CGCP/2023, ambos de 9.5.2023, tendo em vista a iminência de divulgação dos resultados finais e respectivas homologações dos concursos, até o efetivo julgamento do mérito desta ação direta de inconstitucionalidade ou até que sejam divulgados novos editais dos mesmos certames em que se assegure a candidatas do sexo feminino o direito de concorrer à totalidade das vagas ofertadas, livremente e em igualdade de condições com candidatos homens.

Estão presentes os pressupostos para a concessão da medida cautelar que ora se pleiteia. A plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris) está suficientemente demonstrada pelos argumentos deduzidos na petição inicial, que encontram amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Perigo na demora processual (periculum in mora) decorre da circunstância de que, com a iminente divulgação dos resultados finais e respectivas homologações dos concursos para preenchimento de vagas nos cursos de formação de oficiais e de praças da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, candidatas do sexo feminino participantes dos referidos certames sofrerão de forma concreta, efetiva e latente preconceito, discriminação e tratamento desigual em razão de ter-lhes sido reservado apenas 20% (vinte por cento) das vagas previstas nos certames, em benefício indevido e injustificado de candidatos homens, aos quais foram asseguradas 80% (oitenta por cento) das ocupações ofertadas.

É necessário, portanto, que, em juízo cautelar e na forma do art. 10 da Lei 9.868/1999, os aludidos certames sejam suspensos o mais rapidamente possível, para que possam ser sanadas por essa Corte Suprema as afrontas ao texto constitucional previstas nos respectivos editais, as quais decorrem das normas impugnadas na inicial.

Medidas cautelares similares à ora pleiteada foram concedidas recentemente nos autos da ADI 7.433/DF, da ADI 7.483/RJ e 7.486/PA, em que essa Corte Suprema determinou a suspensão de concursos públicos para provimento de vagas em quadros das Polícias Militares do Distrito Federal, do Rio de Janeiro e do Pará, cujos editais reservaram, com base em legislação eivada de vício de inconstitucionalidade similar ao apresentado pelos dispositivos ora impugnados, percentuais ínfimos de participação feminina nos efetivos das corporações militares. Após a concessão das cautelares, em ambos os autos a Procuradoria-Geral da República e representantes dos Estados-membros interessados firmaram acordos, posteriormente homologados pelo STF, que viabilizaram o prosseguimento dos certames, excluindo-se as restrições de gênero previstas nos textos originários dos editais, de forma a garantir igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

O aditamento à inicial da ação direta de inconstitucionalidade é admitido pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião da apresentação de parecer pelo Ministério Público, e mesmo após a apresentação de informações pelas autoridades requeridas, para questionar atos que apresentem “estreita relação com as normas originalmente impugnadas, integrando o mesmo complexo normativo e sujeitos ao mesmo vício de inconstitucionalidade suscitado” (ADI 5267 AgR/MG, Relator Ministro Luiz Fux, DJe 9.9.2019).

É a hipótese dos autos.

Preservados in totum os fundamentos da inicial para concessão de medidas cautelares e para declaração de inconstitucionalidade, já contraditados pelas autoridades requeridas e aplicados integralmente nos concursos públicos para preenchimento de vagas nos cursos de formação de oficiais e de praças da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, inaugurados, respectivamente, pelos Editais nº 001/CGCP/2023 e nº 002/CGCP/2023, ambos de 9.5.2023, os quais concretizam e incorrem nos mesmos vícios de inconstitucionalidade apresentados pelas normas impugnadas, é caso de aditamento à inicial desta ação direta, sem necessidade de apresentação de novas informações e manifestações nos autos, o que constituiria formalismo impróprio e contrário à celeridade processual.

Em face do exposto, a PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA requer o aditamento da inicial, a fim de ser incluído no pedido cautelar o pleito de suspensão dos concursos públicos para preenchimento de vagas nos cursos de formação de oficiais e de praças da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, inaugurados, respectivamente, pelos Editais nº 001/CGCP/2023 e nº 002/CGCP/2023, ambos de 9.5.2023, tendo em vista a iminência de divulgação dos resultados finais e respectivas homologações dos concursos, até o efetivo julgamento do mérito desta ação direta de inconstitucionalidade ou até que sejam divulgados novos editais dos mesmos certames em que se assegure a candidatas do sexo feminino o direito de concorrer à totalidade das vagas ofertadas, livremente e em igualdade de condições com candidatos homens. Ratifica, ainda, a argumentação da exordial, de modo que sejam deferidos os pedidos cautelares e, quanto ao mérito, declarados integralmente procedentes os pedidos nela formulados.