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Ministério Público divulga novo decreto do Covid-19

Confira o decreto na íntegra: 

Ministério Público do Estado de Santa Catarina Orientação do Grupo de Apoio à Execução n. 4/2020 :

COVID-19. DECRETO MUNICIPAL PREVENDO MEDIDAS RESTRITIVAS À CIRCULAÇÃO DE PESSOAS E VEÍCULOS: LIMITES E COMPETÊNCIAS. POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS DE DISTANCIAMENTO SOCIAL E RESTRIÇÃO DE CIRCULAÇÃO, DEVIDAMENTE MOTIVADAS, RESTRITAS AO RESPECTIVO TERRITÓRIO E COM PERTINÊNCIA À FINALIDADE DE CONTENÇÃO DA PROPAGAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO, SUSTENTADAS EM EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E EM ANÁLISES SOBRE AS INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS EM SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE, PORÉM, DE FECHAMENTO DOS LIMITES TERRITORIAIS PELO MUNICÍPIO, RESTRIÇÃO GENÉRICA DE INGRESSO E CIRCULAÇÃO DE PESSOAS E DECRETAÇÃO DE “TOQUE DE RECOLHER”. POSSIBILIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DE BARREIRAS SANITÁRIAS NOS LIMITES TERRITORIAIS DO MUNICÍPIO.

1. Base constitucional do direito de circulação
Como consequência do direito fundamental de locomoção (art. 5º, XV
e LXVIII, da Constituição da República) e da proibição da distinção entre
brasileiros (art. 12, § 2º, da Constituição da República), é garantido a todo
residente no Brasil a livre circulação em território nacional.
As formas de exercício de tal direito, contudo, comportam algumas
possibilidades de limitação, cujos elementos – especialmente aqueles
relacionados a estados de emergência de saúde pública ou calamidade pública
– serão abordados a seguir.

2. Fundamento das restrições em geral
Contemporaneamente, sem qualquer prejuízo ao reconhecimento da
superioridade normativa dos direitos fundamentais, não se concebe mais da
existência de direitos absolutos, como se pode colhe da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (STF):

[…] 6. Na contemporaneidade, não se reconhece a presença de 
direitos absolutos, mesmo de estatura de direitos fundamentais
previstos no art. 5º, da Constituição Federal, e em textos de
Tratados e Convenções Internacionais em matéria de direitos
humanos. Os critérios e métodos da razoabilidade e da
proporcionalidade se afiguram fundamentais neste contexto, de
modo a não permitir que haja prevalência de determinado direito
ou interesse sobre outro de igual ou maior estatura jurídico-valorativa. 7. Ordem denegada.1

Em que pese não estar em vigor estado de defesa ou de sítio,
medidas de cunho administrativo se justificam como imperativo de saúde
pública, na medida em que não suspendem direitos e garantias
fundamentais, mas tão somente limitam temporariamente as formas de seu
exercício.
Nessa linha, o Decreto n. 7.616, de 2011, que dispõe sobre a
Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e institui
a Força Nacional do Sistema Único de Saúde disciplinou a natureza de várias
medidas que tem como objeto a tutela da saúde pública, na esfera da União (art.
6º, caput, de 21, XVIII, da Constituição da República).
O expediente, destaque-se, já foi empregado pela União e por
Estados em outras oportunidades, como no combate às epidemias de zyka e
dengue – cujas sabidas tristes consequências não se equiparam em gravidade
e monta ao impacto da disseminação da Covid-19, declarada pandemia pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) no âmbito do sistema de saúde.
Frise-se que a prevalência do componente administrativo, na
hipótese, não significa sobreposição ao processo legislativo (até mesmo porque
existe lei autorizadora), mas pela necessidade de atualizar a avaliação,
planejamento e execução de medidas diariamente, quando não por mais de uma
vez dentro de um mesmo dia, dada a velocidade exponencial de propagação do
vírus.
No quadro do combate à propagação da Covid-19, o regulamento do
estado de emergência se encontra na Lei n. 13.979/2020 e em seus instrumentos disciplinadores: Portaria n. 356/2020/GM/MS e Portaria Interministerial n. 5/2020/MS/MJSP. São essas normas que ditam as medidas possíveis no âmbito
da emergência em saúde pública e, mais importante, sua forma de
implementação.

 

1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 93250, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 10/06/2008, DJe-117 DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008 EMENT VOL-02325-04 PP-00644

3. Possibilidade da medida em si
Para fins da emergência de saúde pública atualmente declarada,
entende-se por quarentena a restrição de atividades ou separação de
pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam
doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou
mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível
contaminação ou a propagação do coronavírus (art. 2º, II, da Lei n.
13.979/2020).
O art. 3º da Lei n. 13.979/2020 previu as medidas concretas que
podem ser adotadas pelos entes federados:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do coronavírus, poderão
ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas:
I – isolamento;
II – quarentena;
III – determinação de realização compulsória de:
a) exames médicos;
b) testes laboratoriais;
c) coleta de amostras clínicas;
d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
e) tratamentos médicos específicos;
IV – estudo ou investigação epidemiológica;
V – exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;
VI – restrição excepcional e temporária de entrada e saída do
País, conforme recomendação técnica e fundamentada da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias,
portos ou aeroportos;
VII – requisição de bens e serviços de pessoas naturais e
jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior
de indenização justa; e
VIII – autorização excepcional e temporária para a importação de
produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa,
desde que:

a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e
b) previstos em ato do Ministério da Saúde.

O § 1º do citado artigo, outrossim, fixa os requisitos para a adoção de
qualquer das medidas ao estabelecer que “somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”.
Em complementação, a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa
Civil, por meio do ofício circular n. 02/SEDEC, dentre outras orientações
interpretativas da legislação em comento, previu que “a) Os estados e municípios só devem decretar situação de emergência baseado no desastre COBRADE 1.5.1.1.0, se houver casos confirmados da doença”.

Também do corpo da Lei n. 13.979/2020, extrai-se que:

Art. 5º Toda pessoa colaborará com as autoridades sanitárias
na comunicação imediata de:
I – possíveis contatos com agentes infecciosos do coronavírus;
II – circulação em áreas consideradas como regiões de
contaminação pelo coronavírus. (sem grifo no original)

Ocorre que, nos termos do § 7º da Lei n. 13.979/2020, a medidas previstas nos incisos I, II, V, VI e VIII do caput do art. 3º somente podem ser adotadas pelos gestores locais de saúde se autorizados pelo Ministério da Saúde.
E tal autorização foi concedida por meio da Portaria MS/GM n. 356/2020, ao prever e delimitar a forma de definição das medidas sob regime de quarentena:

Art. 4º A medida de quarentena tem como objetivo garantir a
manutenção dos serviços de saúde em local certo e
determinado.
§ 1º A medida de quarentena será determinada mediante ato
administrativo formal e devidamente motivado e deverá ser
editada por Secretário de Saúde do Estado, do Município, do
Distrito Federal ou Ministro de Estado da Saúde ou superiores
em cada nível de gestão, publicada no Diário Oficial e
amplamente divulgada pelos meios de comunicação.
§ 2º A medida de quarentena será adotada pelo prazo de até
40 (quarenta) dias, podendo se estender pelo tempo
necessário para reduzir a transmissão comunitária e garantir
a manutenção dos serviços de saúde no território.
§ 3º A extensão do prazo da quarentena de que trata o § 2º
dependerá de prévia avaliação do Centro de Operações de
Emergências em Saúde Pública (COE-nCoV) previsto na
Portaria nº 188/GM/MS, de 3 de fevereiro de 2020.
§ 4º A medida de quarentena não poderá ser determinada ou
mantida após o encerramento da Declaração de Emergência em
Saúde Pública de Importância Nacional.

Isso posto, tem-se que as medidas de restrição à circulação de
pessoas são em tese possíveis, uma vez previstas em instrumentos normativos legítimos e considerando que não há ofensa abstrata ao texto constitucional, já que – a título de exemplo – o próprio art. 150, II, da Carta de 1988 prevê ressalva à vedação de uso de tributo como meio de limitação do tráfego de pessoas ou bens, o que deve ser entendido com ainda mais amplitude quanto à hipótese de proteção à saúde pública diante de pandemia.

4. Exceções lógicas à restrição

Todas as medidas até aqui analisadas estão ancoradas na proteção constitucional conferida à saúde pública como critério para delimitar a finalidade de eventuais atos administrativos que importem limitações à forma de exercício de direitos individuais.
Justamente por isso, todo o ato que, quanto à sua finalidade,
distancie-se de tal horizonte, é anulável.
Ainda nesse sentido, há certas balizas lógicas a serem observadas,
vez que existentes ações que, por sua própria natureza, contrariam a
preservação da saúde pública e a atuação adequada do sistema de saúde.
Daí que as medidas de restrição do tráfego de pessoas ou veículos,
independentemente da autoridade que as determine, não poderão importar
bloqueio da circulação de insumos essenciais, veículos de transporte de
pacientes, transporte de água e gêneros alimentícios, pessoas não agrupadas
que se dirijam a atividade privada ou pública considerada essencial, entrada e
saída das cidades e atividades físicas individuais de curto período próximas à
residência.

5. Limites às competências dos Municípios

Ao tratar de algumas competências do Estado em seu território,
dispõe a Constituição Catarinense:

Art. 8º Ao Estado cabe exercer, em seu território, todas as
competências que não lhe sejam vedadas pela Constituição
Federal, especialmente:
[…]
VIII – explorar diretamente ou mediante delegação os recursos
hídricos de seu domínio, os serviços de transporte rodoviário
intermunicipal de passageiros e outros de sua competência
conforme art. 137.
Art. 128:
[…]
V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou de bens por
meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, excluída a
cobrança de preço pela utilização de vias conservadas pelo
Estado;

Ainda quanto à competência municipal, todas as atividades que
extrapolam os limites territoriais do município são de caráter colaborativo, e não impositivo. É o que ocorre, por exemplo, com os convênios intermunicipais para prestação de serviços públicos de interesse de um conjunto de municípios, o que, no entanto, difere do impedimento do tráfego de pessoas.

O Município, portanto, não possui competência para estabelecer
restrição genérica de acesso ao seu território, excetuada a implementação de
barreira sanitária com amparo nos regramentos do regime de quarentena para” enfrentamento à pandemia de Covid-19.
À parte a questão sobre se os Municípios são ou não “entes
federados” (2), fato é que algumas estruturas não possuem organização em âmbito municipal, como no caso dos Tribunais ou das Polícias Militares.

 

(2) “Não é porque uma entidade territorial tenha autonomia político-constitucional que necessariamente integre o conceito de entidade federativa. Nem o Município é essencial ao conceito de federação brasileira. Não existe federação de Municípios. Existe federação de Estados. Em que muda a federação brasileira com incluir os Municípios como um de seus componentes? Não muda nada”. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 447. 

Desse modo, os Municípios não detêm competência para decretar
restrições genéricas ou imprecisas de ingresso em seu território, tampouco para
o fechamento de seus limites.
Veja-se que as medidas previstas na Lei n 13.979/2020 e na Portaria
n. 356/2020 devem guardar pertinência com o resguardo da saúde pública, no
caso específico da COVID-19, a propagação da doença quando entra em fase
de transmissão comunitária. O simples fechamento de determinado território de
município, com barricadas, barreiras policias, etc., impedindo a entrada de não
residentes, não guarda pertinência com a finalidade de conter a circulação do
vírus, em especial quando não apresenta sustentação em “evidências científicas
e em análises sobre as informações estratégicas em saúde” (§ 1º do art. 3º da
Lei n. 13.979/2020).
Isso porque, em havendo contaminação comunitária no território,
pressuposto para adoção de qualquer medida de restrição de circulação em
regime de quarentena pela autoridade sanitária municipal, a restrição de entrada
e saída de pessoas não guardaria qualquer pertinência com a finalidade de
conter a proliferação, podendo, lado outro, dificultar o atendimento de saúde de
que poderia necessitar a população.
Contudo, está na alçada de competência da autoridade sanitária
municipal o estabelecimento de barreiras sanitárias dentro de seus limites
territoriais.
Na mesma linha, há competência da autoridade sanitária municipal,
no limite das vias internas de circulação, a tomada de medidas que impliquem
investigação ativa de eventuais estados de saúde que apontem para quadro
suspeito de infecção Covid-19, como tomada de temperatura e averiguação de
histórico de contato suspeito, efetuando o devido encaminhamento à rede de
saúde, se for o caso, dentro dos protocolos estabelecidos para o
acompanhamento da doença.
Outrossim, de conformidade com o art. 3º, caput, inc. II, da Lei n.
13.979/2020, c/c art. 4º da Portaria MS/GM n. 356/2020, em comprovada a
ocorrência de transmissão comunitária no território, a autoridade sanitária local,
desde que o faça motivadamente “com base em evidências científicas e em
análises sobre as informações estratégicas em saúde” (§ 1º do art. 3º da Lei n.
13.979/2020), poderá adotar medida de quarentena, restringindo a circulação de
pessoas em seu território.
É preciso ressaltar que o ato administrativo que estabelecer as
medidas referidas acima deve ser motivado em dados de evolução do quadro
epidemiológico, cujo recebimento e sistematização se dá no âmbito da
Secretaria de Estado da Saúde, que demonstrem peculiaridade do território
sanitário correspondente, e não poderá perdurar além do tempo necessário para
a promoção e a preservação da saúde pública.
Em suma, toda e qualquer medida restritiva adotada pelo ente
federado deve ser analisada à luz de sua motivação e pertinência com as
justificas sanitárias que a embasaram.
6. A questão dos “toques de recolher”
Como reiteradamente dito, o regulamento do regime de quarentena
(Lei n. 13.979/2020, Portaria n. 356/2020/GM/MS e Portaria Interministerial n.
5/MS/MJSP) é adstrito aos objetivos de saúde pública que almeja e suas
medidas são vinculadas à finalidade de enfrentamento à infecção por Covid-19,
devendo a tomada de decisão das autoridades competentes se basear em
propósitos de natureza sanitária e epidemiológica.
A quarentena não se confunde, porém, com o chamado “toque de
recolher”, que consiste, segundo definição colhida do Dicionário Priberam da
Língua Portugues, em “proibição, determinada como medida excepcional por
governo ou autoridade, de os civis permanecer na rua a partir de determinada
hora”3
. O toque de recolher é limitação genérica e abstrata, sem “base em
evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em
saúde”.
Nesse contexto, não há previsão abstrata de “toque de recolher” pelos
referidos instrumentos, de modo que o ato administrativo que, em qualquer
esfera, os decrete é ilegal quanto ao seu objeto.
Não há fundamento jurídico ou motivo científico que aponte para a
necessidade de horários específicos (geralmente entre 22:00 ou 0:00 e 6:00)

3
Disponível em: https://dicionario.priberam.org/toque%20de%20recolher. Acessado em 20.3.2020.
receberam restrições diversas das já existentes quanto à circulação de pessoas
e veículos.
Ademais, é de se ressaltar que, se o objetivo declarado de eventuais
medidas nesse sentido for o de garantia da segurança pública, o Município, além
da ilicitude do objeto, estará usurpando competência executiva do Estadomembro (art. 144, caput e § 6º, da Constituição da República e art. 105 e ss. da
Constituição do Estado de Santa Catarina).
Mudando o que deve ser mudado, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) já se posicionou sobre situação semelhante, apontando justamente para a
antijuridicidade do caráter genérico de tais medidas:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PODER
NORMATIVO DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA. LIMITES. LEI
8.069/90, ART. 149.
1. Ao contrário do regime estabelecido pelo revogado Código de
Menores (Lei 6.697/79), que atribuía à autoridade judiciária
competência para, mediante portaria ou provimento, editar
normas “de ordem geral, que, ao seu prudente arbítrio, se
demonstrarem necessárias à assistência, proteção e vigilância
ao menor” (art. 8º), atualmente é bem mais restrito esse domínio
normativo. Nos termos do art. 149 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90), a autoridade judiciária pode
disciplinar, por portaria, “a entrada e permanência de criança ou
adolescente, desacompanhada dos pais ou responsável” nos
locais e eventos discriminados no inciso I, devendo essas
medidas “ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as
determinações de caráter geral” (§ 2º). É evidente, portanto, o
propósito do legislador de, por um lado, enfatizar a
responsabilidade dos pais de, no exercício do seu poder familiar,
zelar pela guarda e proteção dos menores em suas atividades
do dia a dia, e, por outro, preservar a competência do Poder
Legislativo na edição de normas de conduta de caráter geral e
abstrato.
2. Recurso Especial provido.4
Não há, portanto, fundamento legal ou constitucional para a
declaração de “toque de recolher” por Estados e Municípios no contexto das
medidas de emergência de saúde pública.

7. Sindicabilidade do ato administrativo

4
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1292143/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 21/06/2012, DJe 07/08/2012
Em situações de emergência de saúde pública, o meio mais eficaz de
evitar que os atos administrativos de tomada de medidas epidemiológicas e
sanitárias está na rigorosa observância dos requisitos de competência, forma,
objeto, motivo e finalidade (art. 2º, caput, ‘a’ a ‘e’, Lei n. 4.717/65).
Os atos administrativos que, por algum desses requisitos, destoarem
das observações anteriormente formuladas, encontram-se sujeitos ao controle
jurisdicional, detendo o Ministério Público legitimidade para recomendar sua
revogação e pleitear judicialmente sua anulação, por meio de Ação Civil Pública.
8. Conclusão
De todo o exposto, entende-se que:
a) é juridicamente possível a adoção de medidas que limitem, com
fundamento em objetivos concretos de proteção à saúde pública e “com base
em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em
saúde” (§ 1º do art. 3º da Lei n. 13.979/2020), o direito de circulação no território;
a.1) os atos que prevejam tais medidas serão passíveis de anulação
se não forem editados pela autoridade competente, de modo motivado, sem
desvio de finalidade e por meio de ato formal;
a.2) os atos que prevejam tais medidas importarão restrição
inconstitucional ao direito de circulação quando extrapolarem a limitação do
direito de ir e vir, suspendendo-o, eis que a matéria depende de regulamentação
constitucional.
b) os Municípios não detêm competência para decretar restrições
genéricas ou imprecisas de ingresso e circulação em seu território, tampouco
para o fechamento de seus limites;
b.1) está na alçada de competência da autoridade sanitária municipal
o estabelecimento de barreiras sanitárias dentro de seus limites territoriais;
b.2) está na alçada de competência da autoridade sanitária municipal,
no limite das vias internas de circulação, a tomada de medidas que impliquem
investigação ativa, de eventuais estados de saúde que apontem para quadro
suspeito de infecção Covid-19, como tomada de temperatura e averiguação de
histórico de contato suspeito, efetuando o devido encaminhamento à rede de
saúde e aplicando medida de isolamento, se for o caso, dentro dos protocolos
estabelecidos para o acompanhamento da doença;
b.3) o ato administrativo que estabelecer as medidas referidas nos
itens b.1 e b.2 deve ser motivado em dados de evolução do quadro
epidemiológico, cujo recebimento e sistematização se dá no âmbito da
Secretaria de Estado da Saúde, os quais demonstrem peculiaridade do território
sanitário correspondente, e não poderá perdurar além do tempo necessário para
a promoção e a preservação da saúde pública;
c) os Municípios não detêm competência para decretação genérica
de “toque de recolher”, sendo certo que as restrições à circulação estabelecidas
durante horários específicos – período da madrugada, por exemplo – devem ser
as mesmas decretadas por necessidade sanitária;
d) é facultado ao Estado – seja por seu status constitucional, seja pela
posição que ocupa na gestão da média e alta complexidade no SUS –, mediante
ato formal e motivado, o estabelecimento de restrições de circulação
intermunicipal ou em regiões específicas, se a medida decorrer de evidente
necessidade de contenção da transmissão comunitária e da organização do
sistema público de saúde no atendimento aos infectados;
e) as medidas de restrição do tráfego de pessoas ou veículos,
independentemente da autoridade que as determine, não poderão importar
bloqueio da circulação de insumos essenciais, veículos de transporte de
pacientes, transporte de água e gêneros alimentícios, pessoas não agrupadas
que se dirijam a atividade privada ou pública considerada essencial,
deslocamentos para local de residência (incluía moradia eventual de temporada
ou final de semana) e atividades físicas individuais de curto período próximas à
residência;
f) estão sujeitos ao controle judicial os atos administrativos que
contrariem as conclusões aqui traçadas no que diz respeito ao objeto,
competência, forma, motivo e finalidade;
g) as medidas tomadas no âmbito dos Estados e Municípios não
poderão, em nenhuma hipótese, ser prolongadas além do período de vigência
da emergência de saúde pública ou além dos marcos temporais delimitados na
Lei n. 13.979/2020.

Florianópolis, 20 de março de 2020.

GT de Apoio aos Órgãos de Execução
Alexandre Estefani
Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Institucionais
Fábio de Souza Trajano
Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos
Davi do Espírito Santo
Coordenador CECCON
Douglas Roberto Martins
Coordenador CDH
Fabrício Weiblen
Coordenador CMA
Luciano T. Naschenweg
33ª Promotoria de Justiça da Capital – Saúde
João Luiz de Carvalho Botega
Coordenador CIJ
Jádel da Silva Júnior
Coordenador CCR
Marcelo Britto Araújo
25ª Promotoria de Justiça da Capital – Educação
Eduardo Paladino
Coordenador CCO
Analú Librelato Longo
29ª Promotoria de Justiça da Capital – Consumidor
Marina Modesto Rebelo
Coordenadora Estadual GEAC
Daniel Paladino
30ª Promotoria de Justiça da Capital – Cidadania
Júlia Wendhausen Cavallazzi
Coordenadora GESPRO

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 93250, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 10/06/2008, DJe-117 DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008 EMENT VOL-02325-04 PP-00644 disciplinadores: Portaria n. 356/2020/GM/MS e Portaria Interministerial n. 5/2020/MS/MJSP. São essas normas que ditam as medidas possíveis no âmbito da emergência em saúde pública e, mais importante, sua forma de implementação.