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A regra dos seis meses

Eu não sei quem inventou essa tal de “regra dos seis meses”, mas devia ganhar um prêmio de sinceridade. Dizem que tudo o que a gente não usa em meio ano já pode ir pro lixo, pro brechó ou pra doação. Quanto mais eu penso, mais percebo que essa regra não é só pra roupas esquecidas no fundo do armário — serve pra quase tudo na vida.
A ideia vem da psicologia, do minimalismo e da tal “organização pessoal”. A lógica é simples: se algo ficou encostado por seis meses — sem uso, sem lembrar que existe, sem fazer falta — é sinal de que provavelmente não tem mais função real na tua vida. Guardar é só acumular peso — físico ou emocional. Mas o interessante é que essa regra vai muito além das coisas materiais. Ela serve pra pessoas, hábitos, lembranças, sentimentos e até sonhos que a gente insiste em manter “guardados”, achando que um dia vai precisar.
Por exemplo: Aquela amizade que não acrescenta nada há tempos… Um projeto que a gente promete retomar “quando der tempo”… Uma mágoa antiga que a gente ainda guarda “só pra não esquecer”…
Aí entra o dilema: o que realmente vale manter e o que só ocupa espaço? Como diria o velho Jack, vamos por partes.
A “regra dos seis meses” aplicada às amizades é um terreno fértil. Tem umas que, se a gente aplicar a regra, somem do mapa em dois cliques. Não é por maldade — é só o tempo mostrando que o laço desbotou.
Às vezes não tem briga, não tem mágoa, não tem nada — só o tempo que passou e levou junto o assunto, a conexão e a vontade de responder mensagem.
A gente até tenta dar uma reanimada de vez em quando, manda um “Oi sumido”, solta um “precisamos marcar algo!”, mas no fundo já sabe que o “algo” nunca vai ser marcado. E tá tudo bem. Tem gente que foi importante, mas não é eterna. A gente insiste em guardar essas amizades como quem guarda ingresso de show antigo — lembrança boa, mas que já não serve pra entrar em lugar nenhum.
Tem também aquelas amizades “modo micro-ondas”: de tempos em tempos a gente esquenta só pra ver se ainda funciona, e depois volta pro silêncio por mais seis meses. É tipo amizade de manutenção, só pra não dar baixa no sistema.
E as que viram item de colecionador? A gente guarda porque teve valor, mas esquece que valor e utilidade não são a mesma coisa. Às vezes o que a gente sente falta nem é da pessoa, é de quem a gente era quando ela estava por perto.
Talvez devêssemos fazer um “reset social” de vez em quando. Limpeza de contatos, tipo guarda-roupa mesmo: “não conversou em seis meses? Doar pra outro círculo social.”
Depois vêm os projetos — ah, esses mereciam uma gaveta à parte.
A gente promete que vai retomar “quando as coisas se acalmarem”, como se a vida fosse ter uma pausa comercial pra isso. E quando vê, já se passaram seis meses e o projeto tá ali, empacado, olhando pra ti com cara de “me esqueceu, né?”.
É o caderno cheio de ideias geniais, o canal no YouTube parado desde 2019, o livro começado que nunca ganhou final. Alguns projetos morrem e a gente não tem coragem de fazer o velório. Fica alimentando o defunto com desculpas.
A pausa “só por um tempo” vira férias, as férias viram esquecimento, e o projeto fica lá — parado, com a mesma expressão daquele cachorro do comercial antigo da Cofap.
A regra dos seis meses grita: se tu não mexeu nisso em meio ano, talvez o projeto tenha te deixado antes de tu perceber. Tem também o projeto que virou decoração. Tá lá — bonito, cheio de post-its e planos — mas serve mais pra enfeitar do que pra funcionar. É como ter uma bicicleta ergométrica: tá ali, mas só serve de cabide pra roupa.
E o autoengano? “Vou voltar quando der tempo”, “na hora certa eu continuo.” A tal “hora certa” é o esconderijo preferido do adiamento. Se passaram seis meses e tu ainda tá esperando o alinhamento dos planetas… talvez o que tu gostava não era do projeto, e sim da sensação de ter um projeto.
Às vezes, desistir é só ter coragem de admitir que não é mais aquilo. E isso não é fracasso — é limpeza de alma. Se tu olhar pra um projeto parado e tiver que pensar “por que eu queria fazer isso mesmo?”, já era. Libera o espaço mental pra algo novo.
Bah… agora vem a parte mais profunda da “regra dos seis meses” — a das mágoas. Essa é pra poucos, porque mexe no depósito de emoções vencidas.
A gente guarda mágoa como quem coleciona figurinhas: “essa aqui é de 1998, quando fulano me disse aquilo”. E o pior é que tem gente que cuida das mágoas melhor do que das plantas — rega todo dia com lembranças, conversa com elas e ainda exibe pra visitas. O tempo passa e a dor continua ali, firme, congelada, esperando o momento de ser descongelada e servida de novo, só pra provar que ainda dói.
Tem gente que guarda mágoa como troféu: “olha o que fizeram comigo em 2014!” — e conta com orgulho, como se fosse conquista.
Mas se tu não usou essa dor pra crescer ou resolver em seis meses… pra que serve mesmo?
Algumas mágoas a gente congela achando que vai resolver “no dia certo”. O problema é que, quando abre o pote, o gosto já mudou. O tempo não cura o que a gente insiste em conservar. Ele só tira o sabor original e deixa aquele gosto de “era pra ter superado”.
E tem as recicladas — muda o enredo, troca os personagens, mas a dor é sempre a mesma. Basta um cheiro de café, uma música ou uma lembrança e pronto: lá vem a reprise da novela.
Cada mágoa guardada ocupa o lugar de uma alegria que não chegou. E o mais irônico é que a gente vive dizendo que quer ser feliz, mas o armário emocional tá lotado de coisa vencida.
Imagina aplicar a regra dos seis meses nas emoções: abrir a gaveta do coração e perguntar — “usei isso recentemente?”. Se a resposta for não, doa pro esquecimento e segue leve.
A tal regra dos seis meses é mais que uma dica de organização — é quase uma filosofia de vida. Um lembrete de que a gente carrega mais do que precisa — nas gavetas, nos planos e, principalmente, na alma.
E talvez viver bem não seja acumular, mas saber o momento certo de esvaziar.