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Memórias armadas

Sabe quando alguém diz que “já superou”, mas na primeira discussão puxa o passado como quem saca uma arma carregada? Pois é. O passado é a munição mais fácil de alcançar quando o orgulho tá ferido. Mesmo quem garante que seguiu em frente, às vezes deixou uma gaveta entreaberta lá no fundo da mente, cheia de lembranças mal resolvidas — só esperando uma brecha pra escapar.
No calor da briga, ninguém quer resolver, quer vencer. E o ego, esse estrategista do caos, sussurra: “Puxa o que dói. Isso vai acertar em cheio.” E acerta. Mas o que ninguém percebe é que, ao tentar ferir o outro, quem sangra primeiro é quem atira. A briga deixa de ser sobre o presente e vira um campo de batalha do passado.
De que adianta vencer uma discussão se, pra isso, tu precisa sangrar junto? Quem joga o passado na cara do outro não faz isso por amor — faz por raiva, orgulho ou medo de perder a razão.
Superar não é fingir que nada aconteceu. É lembrar sem sentir raiva, é conseguir olhar pra trás e ver história, não ferida. É entender que aquilo fez parte, mas não define mais quem tu é — nem quem o outro é.
O problema é que muita gente confunde “guardar” com “superar”. Só que o que fica guardado demais apodrece. E quando apodrece, exala nas atitudes, nas palavras atravessadas, nas ironias disfarçadas. A pessoa diz que esqueceu, mas o coração ainda tem uma gaveta aberta, e qualquer provocação é o suficiente pra revirar tudo de novo.
Se tu quer mesmo seguir em frente, precisa desarmar o passado. Fecha essa gaveta. Deixar de carregar lembranças como se fossem balas prontas pra disparar quando alguém te irrita. O perdão verdadeiro não é um esquecimento forçado — é um alívio consciente. É quando tu entende que o outro errou, tu também, mas que a paz vale mais do que ter razão.
Quando alguém tentar te atingir usando o que já passou, não revida com outra lembrança. Só quem ainda vive preso no ontem precisa disso pra se defender. Responde com silêncio ou com maturidade, porque quem realmente superou, já largou a arma há muito tempo.
Superar é desarmar-se. É olhar pra trás e ver história, não munição. Enquanto o passado ainda servir pra ferir alguém, é sinal de que ainda não foi superado — só escondido, esperando a próxima discussão pra provar o contrário.
Superar é tirar do passado o poder de te ferir de novo. É quando ele deixa de mandar nas tuas reações e passa a ser só uma lembrança — não uma arma.
Abrir a janela do passado no calor da discussão pode deixar a tempestade estragar o presente. Saber quando fechar é a verdadeira forma de superar.