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Artigo – Necessidades ilimitadas, recursos escassos: o “museu de grandes novidades” e dilema permanente da gestão pública municipal.

A gestão pública municipal é, talvez, o espaço em que mais se evidencie o contraste entre o que a sociedade espera e aquilo que o poder público é capaz de oferecer. A máxima de que as necessidades humanas são ilimitadas e os recursos, escassos, não é uma abstração teórica; é a rotina diária de prefeitos, secretários e servidores que precisam lidar com demandas que se multiplicam ao infinito, enquanto os orçamentos permanecem restritos e cada vez mais pressionados.
O município, por estar mais próximo do cidadão, é o ente que primeiro recebe os pedidos: ruas pavimentadas, atendimento digno na saúde, escolas em tempo integral, transporte público acessível, políticas de habitação, segurança, lazer e cultura. Nada disso é supérfluo. Tudo encontra respaldo em direitos constitucionais que projetam expectativas legítimas. Mas o fato é que os cofres não suportam simultaneamente todas essas entregas, e o desafio do gestor é justamente escolher o que pode ser realizado, sem perder de vista o horizonte de tudo o que ainda precisaria ser feito.
Esse dilema é agravado por um conjunto de fatores: vinculações orçamentárias que engessam o gasto público, dependência de transferências da União e do Estado, burocracia excessiva, carência de pessoal qualificado e limitação técnica para planejar e avaliar políticas públicas. Em muitas cidades, a escassez não é apenas financeira; é também de gestão, de estrutura administrativa e até de tempo para responder a emergências que se sucedem sem trégua.
Se a demanda social é ilimitada, a resposta pública precisa ser qualificada. Isso significa que o enfrentamento da escassez não pode se dar pela improvisação, mas pelo planejamento. Exige escolhas transparentes, fundamentadas em dados e indicadores que explicitem motivos determinados pelos quais determinado setor receberá investimento antes de outro.
Exige-se governança, no sentido de criar rotinas institucionais que organizem prioridades, assegurem o controle social e preservem a continuidade das políticas públicas além dos mandatos.
O problema, portanto, não está tão somente em reconhecer a distância entre necessidade e recurso. Está em como transformar essa equação adversa em processo racional de decisão, em que os limites do orçamento sejam enfrentados com criatividade, inovação e responsabilidade.
O município não tem a condição de atender a tudo, mas pode atender melhor. E atender melhor, nesse contexto, significa aplicar cada real com critério, cada ato administrativo com técnica e cada política pública com foco no interesse coletivo.
O futuro da gestão pública municipal não se resolverá com a ilusão de que um dia haverá recursos suficientes para suprir todas as demandas. Ele se constrói na capacidade de lidar com a escassez sem abdicar da legitimidade democrática e da efetividade dos direitos sociais. É nesse ponto que o gestor público revela sua grandeza: quando consegue transformar a limitação em oportunidade de governar com mais inteligência, transparência e compromisso com a sociedade que representa.
Henrique Mota, advogado especialista em Direito Administrativo e Direito Público; Membro do Instituto de Relações Governamentais.