Search

A geração que viveu tudo

Escutei um trecho de um podcast do Fabrício Carpinejar e fiquei em silêncio por alguns segundos depois. Porque ele falou da gente. De mim, de pessoas que tem 40 e 50 anos de idade, de uma geração inteira que sobreviveu ao tempo, ao tédio e à transição. Uma geração que não nasceu com manual, mas aprendeu a mexer em tudo.

Carpinejar disse que nunca haverá uma geração como a nossa. E ele tem razão. Somos uma geração heróica. Vivemos sem tecnologia, mas aprendemos a usá-la. A gente aprendeu e-mail, mas antes disso, escrevia cartas à mão. Usava máquina de datilografar. Cresceu sem micro-ondas, sem controle remoto, sem celular. A gente levantava do sofá pra mudar o canal da TV. Sabia esperar.

A gente pegou ônibus sem aplicativo. Comprava passagem em papel. Assistia filme só quando passava na TV. Tinha que rebobinar fita na mão, com caneta, pra não estragar o videocassete. Decorava número de telefone, anotava tudo em agenda de papel, usava fichas no orelhão.

A gente viveu um tempo em que a comida era feita devagar, no fogão. Que café coado era com coador de pano. Que brinquedo bom era o que se inventava na rua. Que se ficasse doente, alguém fazia um chá com folha do quintal. Que se prometesse, cumpria. E se errasse, olhava no olho pra pedir desculpa.

A gente não tinha muita coisa, mas vivia tudo. O tempo era inteiro. O dia parecia ter mais horas. As conversas duravam mais. A gente sabia escutar. Sabia esperar a hora certa. Sabia até ficar entediado, coisa rara hoje em dia.

Carpinejar tem esse dom de falar o óbvio que a gente sente, mas não sabe nomear. E ele nomeou. Ele disse o que ninguém diz: que somos uma geração rara. Um elo perdido entre o mundo que acabou e o que começou.
E, bah… que orgulho fazer parte dela.