Vamos começar do começo, porque o negócio é sério (ou quase).
O que é Pitaco, afinal?
Pitaco é aquele tipo de coisa que ninguém pediu, mas que chega antes mesmo do café. É opinião não solicitada, conselho gratuito (e geralmente caro de engolir), palpite atravessado e certezas com base em absolutamente nada além do próprio ego. A palavra “pitaco” tem origem incerta — como tudo que a gente desconfia que nasceu numa roda de truco, entre uma piada ruim e um gole de pinga.
Dizem por aí que vem do espanhol “pitaco”, que significava algo como “interferência” ou “intromissão”.
Outros juram que é coisa do português brasileiro mesmo, derivado de “pitada” ou “palpite”. Mas uma coisa é certa: quem inventou essa palavra tinha vizinho fofoqueiro.
Quem são os que dão Pitaco?
A lista é longa. São muitos. Estão em todo lugar. São como o Wi-Fi ruim: sempre presentes, mas nunca ajudando.
O pitacador profissional não precisa ser especialista em nada. Ele apenas acha. Acha muito. Acha sempre. E o mais interessante: quanto menos entende do assunto, mais firmeza tem na voz.
O Pitacador Doméstico
Vamos começar pelo habitat natural do pitacador: a casa.
Esse aí tem várias versões. Tem o marido que assiste um vídeo no YouTube e já sabe como consertar o encanamento inteiro. “Sai daí, amor, tu tá fazendo errado. Deixa que eu vi um cara no TikTok que usou Super Bonder pra vedar cano e funcionou!” Resultado: a casa virou Veneza.
Tem a sogra que dá pitaco na criação dos filhos. “Na minha época, criança tomava café com farinha e crescia forte.” E a gente olha pro marido, que tá com gastrite e 1,62m de altura, e pensa: super funcionou, né, dona Maria…
Tem o adolescente que nunca estudou pra prova de história, mas jura que o descobrimento do Brasil foi fake news.
O Pitacador do Churrasco
Esse é um clássico. O pitacador de churrasco é aquele que chega atrasado, de mãos abanando, mas vem com a autoridade de um mestre parrillero argentino. “Essa carne aí já passou do ponto. Tem que virar só uma vez.” Ele nunca acendeu uma brasa, mas sempre tem uma teoria de como ela devia estar. Pega a pinça do churrasqueiro como se fosse a espada do Rei Arthur e começa a remexer tudo, só pra sair duro e cru. E o pior? Ainda comenta no grupo do WhatsApp depois: “Se eu tivesse feito, teria ficado top.”
O Pitacador do Trabalho
Ah, esse… Esse merece um prêmio.
Sabe aquele colega que nunca faz o trabalho direito, mas tem sempre um pitaco sobre como tu deveria fazer o teu? “Bah, eu acho que tu devia usar mais o… ai…” — Mas tu não leu o aviso… — “Mas é que fica mais bonito…”
Tem também o chefe pitacador, que não sabe o nome da planilha, mas quer mudar tudo aos 45 do segundo tempo porque “sentiu que não tá moderno”. E aí vem com uma ideia reciclada de 2003 como se tivesse baixado diretamente da nuvem divina da inovação.
O Pitacador da Igreja
Esse dá pitaco com unção.
“Pastor, eu acho que a palavra hoje tinha que ser mais animada.”
“Eu sinto no meu coração que o louvor devia ter mais teclado.”
“Esse mover aí tá muito demorado…”
O pitacador da igreja é aquele que não dirige célula, não vai no culto de ensino, mas tem opinião sobre tudo. Se pudesse, trocava o Espírito Santo por um comitê deliberativo.
Teve uma vez que um pitacador desses reclamou para o pastor que meu teclado estava muito alto e fora de ritmo, mas eu na realidade tocava guitarra. Pode?
É o tipo que dá pitaco até no mover do culto. “Na minha época, o Espírito Santo fazia mais barulho.” E Deus ali, coçando a cabeça, pensando: “Atiro um raio ou deixo passar?”
O Pitacador Escolar
Esse começa cedo.
É o coleguinha que nunca estudou, mas na hora da prova cochicha: “Marca letra C, confia. É sempre C.”
É o pai que dá pitaco na reunião pedagógica: “Meu filho não errou, a professora que não entendeu a resposta criativa dele.” O guri respondeu que a capital do Brasil é Buenos Aires porque “é quase igual”.
Tem também o professor pitacador, que dá pitaco até na disciplina dos outros. “Na minha aula eles ficam quietinhos.” Claro, porque tu ameaça com reprovação e a extinção do lanche.
O Pitacador do dia a dia
Esse é o que mais nos rodeia.
É o motorista de Uber que tem a solução pro trânsito, pra economia, pra crise no Oriente Médio e pra tua vida amorosa.
O pitacador do teu carro que não sabe nem encher pneu de bicicleta, mas parece um mecânico explicando como é um motor por dentro.
O pitacador do tempo que tem a previsão de sol e chuva mais preciso que a moça da tv.
O pitacador da filosofia é aquele gênio que jura que Sócrates jogava na Seleção Brasileira de 1982… E ainda tenta filosofar por cima.
É o vizinho que escutou tua briga e já comenta no grupo do condomínio: “Ela tá sempre gritando, coitado dele.”
É o amigo que dá pitaco na tua roupa, no teu cabelo, no teu tempo, no teu gosto musical, na tua dieta. “Tu vai comer isso? Tem muito glúten.” E ele comendo doritos e tomando Fanta Uva.
O Pitacador desinformado
Esse aqui é a elite do pitaco. O ninja da ignorância.
É aquele que dá pitaco sem ter lido, sem ter escutado, sem saber onde tá. “Ah, eu acho que vacina não funciona.” — Tu é médico? — “Não, mas vi um vídeo de um cara com jaleco.”
É o que acha que política se resolve com textão no Facebook, que guerra se resolve com abraço e que economia se resolve com um “tem que baixar os impostos aí, né”.
O Pitacador da área
Mas calma. Nem todo pitaco é do mal. Existe o pitaco técnico, que vem de quem entende do riscado.
É o médico que explica porque aquele “chá de alho com limão e oração” não substitui antibiótico.
É o engenheiro que te avisa que não dá pra construir uma varanda de concreto sobre um telhado de eternit.
É o jornalista que te diz que não é fake news, é só a realidade que dói mesmo.
Esse tipo de pitaco é raro, mas existe. E a gente devia ouvir mais esses e menos os outros. Mas não. A gente prefere o Zé Pitaco da esquina, porque ele fala com mais segurança. Mesmo que seja besteira.
O pitaco é o tempero do Brasil. Não tem churrasco, grupo de WhatsApp, reunião de condomínio ou culto evangélico sem ele. Ele está nos bares, nas salas de estar, nos bancos da igreja e, principalmente, nas caixas de comentário da internet.
Dar pitaco virou quase esporte nacional. A diferença é que não precisa treinar, não precisa estudar, e não precisa saber de nada. Só abrir a boca e deixar a opinião sair, feito pombo no parque: sem rumo, sem lógica, mas com uma pontaria certeira pra cagar no que os outros estão construindo.
Então, da próxima vez que alguém soltar um pitaco, pergunta:
“Esse teu pitaco vem com garantia ou posso ignorar com segurança?”
No fim das contas, o mundo já tá cheio de opinião. O que falta mesmo é um pouco de silêncio.