“A cultura de Santa Catarina é reconhecida nacionalmente”
Deputada estadual no quarto mandato e presidente da Comissão de Educação e Cultura da Alesc, Luciane Carminatti (PT) não se desliga das causas estadualizadas que marcam sua atuação no Parlamento, especialmente nas questões educacionais e culturais. Nesta entrevista à Coluna, ela comenta sobre os desafios atuais nestas duas áreas em Santa Catarina.
Pelo Estado – Como presidente da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa, como a senhora viu a troca de comando da Fundação de Cultura Catarinense?
Luciane Carminatti – A exoneração do presidente da Fundação Catarinense de Cultura foi muito aguardada, já há meses. Ela chegou atrasada, porque nós tivemos um total desrespeito ao Conselho Estadual de Cultura e ao setor cultural catarinense como um todo. Editais atrasados, perseguição a setores da cultura, ausência de diálogo e desrespeito, inclusive, ao Parlamento catarinense.
Pelo Estado – E como a senhora avalia a situação da cultura do Estado hoje?
Luciane Carminatti – A cultura de Santa Catarina é reconhecida nacionalmente, é um setor muito atuante e protagonista, que inclusive foi fundamental na articulação da lei Aldir Blanc, da PNAB, que lutou muito para que pudéssemos ter em Santa Catarina o PIC, que é o Programa de Incentivo à Cultura, que ao longo dos anos vem sofrendo muito com o troca-troca de presidentes da Fundação, o que faz com que as políticas sejam sempre interrompidas. Nós temos uma estrutura extremamente reduzida na Fundação, e isso é muito prejudicial. O governo federal atualmente está mandando muitos recursos para Santa Catarina, só na PNAB foram mais de R$ 100 milhões para o Estado e para os municípios, mas a estrutura de pessoal (na Fundação Catarinense) continua a mesma. Servidores são muito dedicados, comprometidos, porém estão sobrecarregados, o que inviabiliza por demais a agilidade e a execução dos projetos. Para ter uma ideia, o PIC está com 9 meses de atraso. A Fundação Catarinense de Cultura tem um prazo de 90 dias para fazer a etapa de análise de projetos e, em caso de incongruências ou dúvidas, ela pode diligenciar os proponentes. Estamos em setembro de 2024 e a FCC ainda está avaliando projetos de janeiro de 2024, o que inviabilizou quase totalmente projetos que tinham o prazo de execução ainda esse ano.
Pelo Estado – Quais seriam os maiores desafios que a cultura no Estado?
Luciane Carminatti – Eu penso que um desafio é a relação com o Conselho Estadual de Cultura. A Fundação precisa compreender que os conselheiros representam a diversidade cultural, e não uma plataforma de governo. Isso é fundamental. Se não, a Fundação Catarinense se pauta na política cultural que ela entenda que deva ser a melhor. Claro que a Fundação tem as suas diretrizes, a sua plataforma de governo, mas os conselhos exercem a função de representação da sociedade. Tem todo o direito de fazer o debate, de apontar caminhos e também de exercer o seu papel de fiscalizador e ser respeitado por isso. Temos uma outra questão que é a gestão da política cultural, não se faz política cultural com mais recursos sem pessoas, isso estoura lá na ponta. Terceiro é a garantia de que os municípios como um todo e as regiões sejam respeitadas e não apenas os grandes centros.
Pelo Estado – A educação catarinense apresentou índices não muito bons nas últimas avaliações tanto do IDEB quanto no ranking de competitividade. Na sua opinião, quais são os maiores desafios da educação catarinense?
Luciane Carminatti – Bem, são vários desafios, mas diria que quando a política partidária entra dentro da Secretaria de Estado da Educação com prioridade, se afasta o respeito aos educadores como um todo. Os professores não precisam ser do partido do governador e nem os diretores, eles precisam ser bons profissionais, bons alfabetizadores, bons gestores escolares, e nem sempre o critério partidário é o melhor critério. Quando se compara com o Ceará, o que o Ceará fez pra ter 87 das 100 melhores escolas do Brasil é justamente o contrário. É não usar o critério político partidário. Em segundo lugar, um processo grande de formação continuada, e aí não vale qualquer formação. Não é EAD, é presencial, olho no olho, com profissionais que têm o chão da escola, não com profissionais que não estão envolvidos na escola pública, porque quando a formação é apenas acadêmica ou coach, ela não chega no professor. O professor sente que aquilo não vai colar com seus alunos, que não vai gerar aprendizagem. Então a formação continuada precisa ser diferente, contínua, permanente. Em terceiro lugar, a remuneração. Estamos falando de professores que estão ganhando o piso do magistério depois de 10, 15, 20 anos. Essa é a realidade. Esses professores precisam ser incentivados a permanecer acreditando na escola pública, que serão valorizados. Junto com isso, a questão do concurso, porque de cada 10 professores, 7 são contratados, ACTs. Contratos que terminam e aí você migra de escola para escola, recebendo apenas o salário base. Mais um ponto é infraestrutura das escolas, e aí eu junto com materiais, reformas, estruturas novas. Não dá pra pensar numa escola que seja inaugurada sem quadra de esportes, e temos muito hoje. A escola, para que ela funcione, precisa ter diferentes espaços. Os alunos precisam de diferentes desafios e estruturas. E eu diria que o diálogo com a comunidade é outro ponto, os pais não têm que ser chamados só no dia da família ou dia de eleição de diretor, têm que ser chamados inclusive pra formação pedagógica. E por último, o respeito ao educador. Santa Catarina nunca teve tantos professores atacados, assediados, é muito comum colocar nome do professor em rede social, uma aula, algo que ele fez, descontextualizado. E não estou dizendo com isso que professor não erra. Professor erra, mas a primeira coisa é conversar com ele. E não, hoje a primeira coisa que se faz é colocar o rosto, sua imagem em rede social. Primeiro destrói o professor, depois você deixa que ele se defenda ou procure ajuda. Isso é bom pra educação? Tenho certeza que não. A escola precisa ensinar seus alunos e os pais precisam ensinar a respeitar seus educadores. Está na hora da sociedade acordar. Muitos políticos que estão destruindo a imagem de professor querem apenas e tão somente seguidores. Conheço vários que tiveram que pagar indenizações por danos morais, se retratar, e depois do barulho os pais voltaram a matricular, pediram desculpa. Enfim, não é desse jeito que a gente constrói uma educação melhor.
Pelo Estado – A senhora poderia pontuar quais os maiores gargalos do sistema de educação estadual?
Luciane Carminatti – Eu diria que um grande gargalo é a remuneração e o número de professores ACTs, que na minha avaliação não se resolve com o concurso, porque são apenas 10 horas para a grande maioria dos cargos. Outro grande gargalo é a formação continuada, qualificada e presencial. Um terceiro gargalo é a falta de envolvimento dos profissionais na educação para discutir os rumos da educação. Os professores precisam se sentir apoiados nas suas ações e responsabilizados se apoiados. Não dá só para responsabilizar o professor. O professor é responsável pela turma, pela aprendizagem, sim, mas ele precisa ser ouvido, ele precisa se sentir parte daquilo que é preciso ser feito.
Pelo Estado – A senhora atribuiria à polarização, tão presente em SC, o fato de boa parte dos municípios ainda não terem se inscrito para o segundo ciclo do Programa Escola em Tempo Integral, do governo federal?
Luciane Carminatti – Bem, eu não sei se isso tem sentido, eu precisaria verificar, ter mais elementos para poder fazer uma afirmação desta natureza. O que eu lamento, o que eu penso é que a Secretaria de Estado da Educação poderia ter uma ação mais proativa, exigindo que os municípios também possam aderir ao plano. Eu não quero crer, me parece extremamente descabido acreditar que por questões políticas, partidárias, as nossas crianças serão prejudicadas. Afinal de contas, quando o presidente Lula toma a iniciativa de criar um programa para incentivar a educação em tempo integral nos municípios, é um gesto nobre, bonito, que deveria ser acolhido por todos. Em primeiro lugar, porque o dinheiro não pertence a um partido e nós precisamos de mais dinheiro para fazer educação de qualidade. Tem gente que acha que o Brasil investe muita grana em educação, não é verdade. Se a gente olhar a dívida histórica que temos com a educação brasileira, e se nós olharmos quanto se investe por aluno e quanto o professor recebe nos países da OCDE, o Brasil é um dos que menos investe. Em segundo lugar, é preciso que os prefeitos saibam que enquanto o filho do rico vai para a academia, vai para a escolinha, escolhe a modalidade de esporte que quer fazer, vai para a escola de idiomas, fazer um segundo idioma, nós não podemos permitir que isso seja privilégio, sendo que nós recebemos a oportunidade de garantir que os alunos das classes mais pobres tenham esse direito assegurado. Hoje 90% dos alunos em Santa Catarina estão na escola pública. E se 90% estão na escola pública, está certo o presidente Lula em abrir um programa de ajuda financeira aos municípios que queiram aderir à educação em tempo integral, mas os prefeitos precisam aderir. Se comprometer com isso. Todo mundo ganha, ganha a família, ganha o aluno, ganha a escola, ganha o professor e ganha a própria comunidade, porque ao invés de ter essas crianças, esses alunos no contraturno, sabe-se lá fazendo o quê, eles estarão numa atividade esportiva, cultural ou educacional. Quem vai decidir a modalidade é a escola.