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Pelo Estado:Fiscalização e controle para minimizar danos com agrotóxicos

Estado tem autonomia para controle mais restritivo de defensivos agrícolas

A cada dia surge uma informação diferente sobre agrotóxicos, seja pela liberação de um tipo novo ou por novas descobertas dos males que podem trazer. Por isso a reportagem da Associação de Diários do Interior (ADI-SC), em conjunto com a Associação dos Jornais do Interior (Adjori-SC), foi à Secretaria de Estado da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural para saber como o assunto é tratado em Santa Catarina, estado que tem produtos agrícolas sensíveis e importantes na pauta de exportações, a exemplo do mel e da maçã.

Quem nos atendeu foi o secretário-adjunto, Ricardo Miotto, engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Ciência e Tecnologia de Sementes, até pouco tempo responsável pela gestão do Departamento Estadual de Defesa Sanitária Vegetal, na Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), onde entrou em 2006. Ali ele se dedicou especialmente às áreas de controle da qualidade dos insumos agrícolas, com ênfase no controle externo de qualidade de sementes, agrotóxicos e na sanidade vegetal.

Segundo explicou Miotto, Santa Catarina segue, sim, o alinhamento do Ministério da Agricultura, que tem recebido críticas internas e externas pela grande variedade de químicos aprovados, alguns já banidos na Europa e em países de outras regiões do mundo. Entretanto, o Estado também possui uma normatização específica que, da mesma forma como ocorre em nível federal, regulamenta o cadastro de agrotóxicos e permite o controle do que circula no território catarinense. “O primeiro filtro é feito no Ministério da Agricultura. O que é banido nos países de origem já não é cadastrado lá e, por conseguinte, também não é cadastrado aqui. Além disso, o Estado tem autonomia para ser mais restritivo”, observou. Se é assim, por que químicos classificados como banidos lá fora estão entrando no país?

Por questões legais, que dão muita margem para diferentes interpretações. Por exemplo, o país de origem do desenvolvimento da molécula de defensivo pode ser um, mas o registro pode ter sido feito em outro país, o que ocorre com maior frequência quando cai a patente sobre aquela composição. “Existem casos em que o produto foi desenvolvido nos Estados Unidos e lá, com o passar do tempo, o princípio ativo foi proibido. Mas a patente expirou e hoje a China produz a mesma composição, que lá é autorizada. É difícil fazer uma amarração de todas as informações e as empresas se utilizam disso. Com isso, o Brasil e outros países não conseguem justificar uma restrição sólida do ponto de vista legal.”

Ainda que haja essa dificuldade, o engenheiro agrônomo garante que o processo de registro de agrotóxicos no Brasil que é um dos mais complexos e criteriosos do mundo, uma vez que três órgãos têm que dar o aval para comercialização – ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura. Em Santa Catarina esse controle está sob a responsabilidade da Cidasc que, pelo menos até agora, não restringiu o uso de nenhum químico liberado pelos ministérios para uso no Brasil.

 

Saúde humana e sustentabilidade ambiental: a responsabilidade de cada um

Para além do risco do agrotóxico propriamente dito, que, falando claramente, nada mais é do que um tipo de veneno, há também a irresponsabilidade de quem prescreve, de quem vende e de quem aplica. Para quem não sabe, a venda de um defensivo agrícola só pode ser feita se o comprador tiver em mãos um receituário. É como se fosse um remédio que se compra na farmácia: a receita traz princípio ativo, miligramas, posologia, dosagem, em fim, todas as informações para que o paciente tenha melhora e não piora em sua saúde por causa do remédio.

Somente engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas têm autorização para prescrever o que vai ser aplicado lá no campo, na plantação. “É preciso que seja despertada a consciência nesses profissionais e nos agricultores sobre isso. O produto tem uma finalidade, que é controlar uma doença, uma praga ou uma planta daninha. Mas, para ser usado, precisa de uma orientação técnica e é esse o ponto que precisa ser amplamente discutido no setor: o papel do responsável técnico e o rigor no uso do que é prescrito”, alerta o engenheiro agrônomo Ricardo Miotto, secretário adjunto da Agricultura, Pesca e Desenvolvimento Rural.

Ele defende que engenheiros e técnicos agrícolas precisam ter consciência de sua responsabilidade para que atuem de uma maneira absolutamente profissional e não como meros autorizadores de compra. “Pelo bem do meio ambiente e da saúde humana, essas prescrições devem ser feitas com profissionalismo, ética e com responsabilidade.” Por isso é tão importante que o agrônomo vá à propriedade para identificar o problema e, com base no diagnóstico, definir qual o químico deve ser aplicado e como, desde a dose até a periodicidade, passando pela diluição. “Os riscos existem? Sim. Mas com a prescrição técnica e seu cumprimento correto eles são minimizados.”

O problema, destaca Miotto, é que em alguns casos, “exceções e não regra”, a prescrição é feita sem muito cuidado. Para seguir com a comparação, é como se fosse uma pessoa se automedicando com antibióticos, corticoides, analgésicos. É o agricultor quem diz do que precisa e de quanto, sem que o agrônomo tenha sequer conhecimento do que vai ser tratado com aquele produto. Faz o receituário conforme solicitado, assina e pronto. Não se aprofunda em explicar como manejar o produto, como misturar, como aplicar, como ajustar o pulverizador. “Os possíveis erros são detectados mais tarde no meio ambiente e nos alimentos. É o que a Cidasc tem identificado, principalmente na análise de resíduos. Reforço que são exceções. De toda forma, precisamos atuar junto ao agricultor e ao profissional que assina o receituário, que têm papel fundamental para mudar esse cenário.”

Fiscalização e controle para minimizar danos com agrotóxicos

 Se por um lado ainda não houve proibição de venda em Santa Catarina de agrotóxicos liberados em nível federal, por outro o controle tem sido reforçado nos últimos anos, tanto no trabalho de assistência técnica, feito principalmente pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri), quanto de educação sanitária, orientação e fiscalização por parte da Cidasc; tanto com o agricultor quanto com o responsável técnico e o comerciante desse tipo de produto. Segundo o secretário adjunto da Agricultura, Pesca e Desenvolvimento Rural, o engenheiro agrônomo Ricardo Miotto, “o governo catarinense está muito preocupado com essa questão. E cada vez mais, porque estamos falando da segurança da saúde dos catarinenses e da sustentabilidade ambiental”.

Os casos de resistência por parte dos que prescrevem, dos que vendem e dos que usam os agrotóxicos, quando insistem em não cumprir as legislações, são tratados com rigor. Quando orientar e conscientizar não adianta, o trato com estes passa a ser outro.

Existem leis que preveem penalidades e a Secretaria e seus órgãos – Epagri e Cidasc – têm lançado mão dessa prerrogativa para autuar quem não está em conformidade. O engenheiro ou técnico agrônomo que incorrer em erros previstos no regramento está sujeito, por exemplo, a perder a licença profissional por processo do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-SC), que é comunicado de todos os processos. Além disso, o Ministério Público tem chamado à responsabilidade civil e criminal os que atuam com descaso na prescrição do receituário. E também pode ser responsabilizado o produtor que não segue o que foi prescrito, exagerando nas doses.

Programa Alimento sem Risco

A preocupação sobre os males potenciais dos agrotóxicos levou à criação, em 2012, do Programa Alimento sem Risco, uma parceria da Secretaria de Estado da Agricultura, Cidasc, Epagri, Ministério Público (MPSC) e outras 14 órgãos e entidades (lista abaixo). Pelo programa, são analisados diferentes tipos de alimentos para que se detectem resíduos de químicos.

Ricardo Miotto comemora o que classifica como resultados bastante expressivos: “De 2012 para cá, nós reduzimos o índice de inconformidade de 35, 36% para menos de 20%. Temos um caminho a percorrer ainda. Estamos mirando, no horizonte dos próximos quatro anos, em reduzir esse índice para 10%, que é o padrão adotado pela União Europeia em análise de resíduo”.

  • Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC)
  • Ministério Público do Trabalho (MPT)
  • Ministério da Agricultura
  • Pecuária e Abastecimento (MAPA)
  • Secretaria de Estado da Agricultura e Pesca
  • Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola (Cidasc)
  • Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri)
  • Secretaria de Estado da Saúde (SES)
  • Diretoria de Vigilância Sanitária (DIVS)
  • Centro de Informações Toxicológicas (CIT-SC)
  • Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen)
  • Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP-SC)
  • Polícia Militar de Santa Catarina e Polícia Militar Ambiental
  • Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-SC)
  • Instituto do Meio Ambiente (IMA-SC)
  • Superintendência do IBAMA em SC
  • Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-SC)

Tecnologia vai ajudar no controle de agrotóxicos em SC

O Estado sempre teve dificuldade para controlar os volumes de agrotóxicos comercializados em Santa Catarina, mas isso começou a mudar no ano passado, quando todas as movimentações de produtos dessa linha passaram a ser informatizadas. Na concepção da solução tecnológica está a preocupação em disponibilizar dados para consulta pública, “um princípio de transparência adotado pela Secretaria”, segundo Ricardo Miotto, secretário adjunto de Agricultura do Estado.

O sistema está em fase de aprimoramento e finalização. O objetivo é que ele possa disponibilizar informações como o volume por categoria – inseticida, herbicida, fungicida, etc. De acordo com o secretário, depois de aprimorado vai ser possível saber, por localidade agrícola dentro de cada município, quais os agrotóxicos utilizados e quais volumes foram adquiridos. “Vamos ter condições de ampliar a fiscalização, mas, antes disso, de dar uma orientação mais adequada para o conjunto daquela comunidade. Essa inteligência vai nos permitir otimizar o recurso, tanto humano quanto financeiro, em fiscalizações específicas e mais objetivas.”

Abelhas dão o alerta para desequilíbrio ambiental

Enquanto o sistema de informatização dos dados sobre tipos, quantidades e distribuição de agrotóxicos em território catarinense não tem suas funções plenamente desenvolvidas e sendo aplicado, o que dá o alerta para exagero ou inadequação do uso de agrotóxicos são as abelhas. No começo do ano foi divulgada a mortandade elevada, em Santa Catarina e outros estados, desse inseto fundamental no processo de polinização. Tão fundamental que a Organização das Nações Unidas (ONU) tem feito campanhas de conscientização para proteger as abelhas.

A expectativa de Ricardo Miotto, secretário adjunto estadual de Agricultura, Pesca e Desenvolvimento Rural, é que, informatizando o controle, será possível identificar o ingrediente ativo que pode ter causado o grande número de mortes de abelhas. O fipronil, por exemplo, é um princípio ativo largamente aplicado em plantações de soja e para o qual as abelhas são muito sensíveis. “Vai ser possível cruzar informações, como o receituário e as localidades com casos de mortes de abelhas. Vai acender um alerta e a ação será mais rápida”, prevê.

No caso específico das abelhas, as informações são cruzadas com o cadastro das colmeias existentes no estado mantido pela Epagri. A exatidão trazida pelo sistema informatizado será tão grande que será possível colocar filtros já no momento da prescrição. “Quando o profissional registrar o que pretende receitar e para qual comunidade, vai acender um alerta informando que ali tem colmeias e que o uso do fipronil não é recomendado. É nossa obrigação proteger o meio ambiente e a sociedade como um todo.”

 A preocupação é pertinente. Santa Catarina tem mais de 10 mil produtores que respondem pela produção de mais de 8 mil toneladas de mel. Como é um produto de elevado consumo por aqui e também vai para outros estados e países, o rigor no controle da qualidade e na preservação das boas condições de produção vem aumentando. Outra preocupação é manter o selo de mel orgânico de 98% da produção melífera catarinense que é exportada, o que exige a ausência absoluta de resíduos de agrotóxicos no nosso mel. Não à toa, nos últimos cinco anos os técnicos saíram de 1,7 mil para mais de 12 mil atendimentos em propriedades que produzem mel, conforme informou Miotto.

Ele explica que a ocorrência do começo do ano, ainda que tenha chamado a atenção para um problema grave, não foi tão dramática como se fez entender. Na ocasião anunciou-se a morte de 20 milhões de abelhas. Boa parte por conta do agrotóxico aplicado em lavoura pelo desavisado dono das colmeias, que foi negligente ao não respeitar a distância determinada e fez misturas inadequadas de defensivos.

A honey bee tangled in strand of spider web on a milk weed. BDN photo by Gabor Degre

“Acendeu uma luz amarela, mas não estávamos diante de um extermínio de abelhas como pareceu ser pelas manchetes dos jornais. Se partirmos da premissa de que temos, em média, 50 mil abelhas por colmeia, e morreram 20 milhões, estamos falando de 400 colmeias em um universo de 315 mil do cadastradas. Ou seja, essas 400 colmeias que tiveram problema de intoxicação representam 0,03%. E já houve a regeneração completa, já que o ciclo de vida desses insetos é de 40 dias. Temos que ter preocupação, é claro. É preciso agir para evitar esse tipo de problema, mas estamos falando de 20 milhões de abelhas de um total aproximado de 16 bilhões de abelhas no estado”, calcula o engenheiro agrônomo.

Miotto destaca que no período de inverno, quando as floradas não ocorrem, morrem muito mais abelhas por falta de alimento do que no ano todo por agrotóxicos. Nesse período do ano, naturalmente a população de abelhas decresce.

Alta qualidade da maçã catarinense dispensa uso de defensivo que penetra até 6 milímetros na fruta

 Santa Catarina ostenta há vários anos o título de maior estado produtor de maçãs do país. Boa parte é para exportação a mercados bastante exigentes em termos de saúde. Um estudo feito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), em parceria com uma universidade dos Estados Unidos e publicado em revista científica daquele país, mostrou que o Imazalil, produto aplicado após a colheita para evitar que as frutas apodreçam no transporte, penetra 6 milímetros na maçã. Ou seja, não adianta lavar ou retirar a casca. O veneno estará lá.

E em Santa Catarina? Quem responde é o secretário de Estado da Agricultura, Pesca e Desenvolvimento Rural, Ricardo Miotto. Engenheiro agrônomo, ele garante que essa prática foi “repelida com bastante veemência” pelo próprio setor aqui no estado. “Nossa maçã é de extrema qualidade e segue todos os protocolos sanitários internacionais estabelecidos pelos países importadores, já desde a produção no campo. Todas as boas práticas de manejo são adotadas e o setor é extremamente profissional”, enumera.

Ele acredita que a alta qualidade da fruta produzida principalmente na Serra catarinense dispensa qualquer artifício químico para sua preservação, o que faz dela uma fruta bonita, resistente e absolutamente segura para o consumo. “Essa prática acontece em outros estados, mas jamais aqui. E os próprios resultados do Programa Alimento sem Risco validam essa minha afirmação.”

Andréa Leonora

Editora Coluna Pelo Estado