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Números revelam realidade do abuso sexual na região

Segundo a DPCAMI, responsável por investigar crimes contra menores, só em 2019, três casos já foram resolvidos e seus autores, indiciados

Aline Bauer

Trinta casos durante um ano. Este foi o número de crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes, tentados ou consumados, registrados em 2018. E alguns ainda não foram concluídos. Dez destes foram com vítimas vulneráveis, que possuem entre 12 e 14 anos. Os números são da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Araranguá, a DPCAMI. A divisão é comandada pelo delegado Henrique Gonçalves Muxfeldt, que também fala dos casos registrados este ano.

Segundo ele, há alguns procedimentos em aberto na delegacia, mas em 2019, três crimes desse tipo já foram encerrados e os autores foram indiciados.

No próximo sábado, dia 18, se comemora do Dia Nacional de Combate à Exploração Sexual Infanto-juvenil, e por isso, o assunto vem à tona para, de acordo com o delegado, conscientizar as pessoas sobre a importância de observar o comportamento das crianças e adolescentes. “Trabalhando nesta área, ficamos mais interessados a essas datas. A grande sacada é entender quando alguém quer se aproveitar da inocência de uma criança ou de um adolescente”, diz.

Henrique ainda diz que a investigação de uma denúncia de exploração ou assédio sexual é complexa e exige cuidado, já que há mais de uma forma de exploração ou assédio sexual. “Existem mais de um tipo penal desses crimes, a palavra estupro é muito pesada. Existe o ato obsceno, importunação sexual, estupro com ato libidinoso. Tudo isso precisa ser investigado”, explica.

Sentado em sua mesa, conversando com possíveis vítimas ou investigando suspeitos, o delegado já conseguiu ver casos o suficiente para traçar um padrão de características que se apresentam em cada crime, e um deles é que o agressor quase sempre está mais perto da vítima do que se imagina. “O autor, quase sempre é alguém próximo, um pai, padrasto, avô, tio, amigo da família que frequenta o espaço familiar, percebemos que há relações próximas. Casos com desconhecidos é muito mais raro, e geralmente é quando há exibição de órgãos genitais em via pública, por exemplo, que é ato obsceno”, comenta.

De tempos em tempos algum caso de estupro ou assédio aparece na delegacia, e vindo de canais diferentes. De acordo com Henrique, há muitas formas de denunciar e os órgãos e sociedade estão cada vez mais cientes disso. “Todos têm se engajado, recebemos denúncias de diferentes fontes. Às vezes da escola, do Conselho Tutelar, parentes que trazem a vítima e relatam o fato, denúncia anônima pelo 181 ou disque 100, percebemos que vêm de vários lados”, relata.

Crianças não sabem diferenciar um ato genuíno de carinho de um ato com cunho sexual, e perceber isso é o que pode ajudar a evitar que mais casos assim venham a acontecer. “Pais, familiares e professores, quem está ao redor da criança ou adolescente, deve observar a mudança de conduta. Criança não tem a malícia que um adulto possui, e alguém pode se aproveitar disso. Uma criança participativa se torna retraía, o adolescente sente vergonha ou nojo, chegando a cometer automutilação e se sentir culpado. Essas mudanças de comportamento são visíveis e é preciso observar bem”, aconselha.

Mobilização

Diferentes municípios promovem ações aproveitando o 18 de maio para chamar a atenção da comunidade para o combate contínuo contra a exploração e o assédio sexual infanto-juvenil. Em Praia Grande, acontece uma caminhada nesta sexta-feira, evento já tradicional e promovido pelo Conselho Tutelar em parceria com as secretarias de Assistência Social, Saúde e Educação. Diferentes entidades participam em um desfile com cartazes e carro de som.

Já em Sombrio, a semana foi cheia de teatro e histórias. O Centro de Referência Especial em Assistência Social, o CREAS, em parceria com a secretaria de Educação, promoveram uma campanha com peças de teatro apresentadas para alunos do município, focando em conscientizar sobre uma boa relação com os pais, e tendo como foco usar de forma lúdica para ensinar aos pequenos e adolescentes como não cair na conversa de qualquer um.

História

No dia 18 de maio de 1973, em Vitória, no estado do Espírito Santo, a pequena Araceli Cabrera Sanches teve sua infância interrompida. Sequestrada da escola onde estudava, a pequena de oito anos foi espancada, estuprada e brutalmente assassinada. Seu corpo foi abandonado em um matagal e desfigurado com ácido.

A história é mesmo chocante, e deu origem à luta por mais atenção às vítimas e punição aos culpados por exploração e assédio sexual a crianças e adolescentes. Em 1998, em uma reunião nacional para discutir o tema no estado na Bahia, este dia ficou instituído como o dia nacional de luta contra crimes desse tipo.

No caso de Araceli, os culpados foram encontrados, mas nunca receberam punição por serem de famílias influentes e abastadas. A própria família da menina se ocultou e ela só foi sepultada três anos depois.

Segundo um levantamento da BBC Brasil, de todas as vítimas de violência sexual que buscam o atendimento do SUS, mais de 54% tem entre 0 e 14 anos. Só em 2016, foram 13 mil atendimentos desse tipo nas unidades onde o sistema atua. Ainda há os casos em que a família tem melhores condições financeiras e, para evitar constrangimentos à vítima, buscam clínicas e hospitais particulares.

Somente através de Disque Denúncia, 9 mil ligações foram recebidas em 2017 segundo relatório do Ministério dos Direitos Humanos. No Brasil, ainda segundo reportagem da BBC, não há controle sobre os números de denúncias e casos resolvidos, ou seja, a situação é ainda pior.

Caso desconfie do comportamento de alguma criança ou adolescente, ou presencie uma situação suspeita, denuncie, através do 181, direto para a Polícia Civil, ou através do Disque 100, ou ainda, em qualquer órgão ligado à infância e juventude, como Conselho Tutelar.

A inocência das crianças e adolescentes é um bem precioso, e uma vez perdida, não poderá ser recuperada.